segunda-feira, 5 de setembro de 2011

SAUDADE ANTIGA



Djanira Silva


          Hoje encontrei uma carta antiga, nela pude ouvir muitas vozes. Todas falavam de uma saudade antiga. Lembrei das tardes de domingo quando, sem falar, ouvíamos o silêncio segurando o tempo. Víamos o entardecer de um dia terminal embalado pela voz de Charles Trenet. Não preciso sair de dentro do meu coração para viver. É aqui que vivo e revivo, nasço, morro e renasço. As lembranças transformadas em saudade tornam os caminhos da volta mais seguros para uma alma que não se cansa de ser feliz num mundo feito apenas de lembranças.
          Quando envelhecemos, às vezes nos sentimos com mais idade do que realmente temos, no entanto, em certos momentos basta fechar os olhos para voltar a viver. Não importa o momento que fica do lado de fora. Importa mesmo o que está lá dentro, o que nem envelhece nem se apaga.
          Quando escuto certas músicas é como se me encontrasse comigo, a verdadeira, a que não teve medo de ser feliz. Então sei o quanto gosto de mim e da que fui na adolescência. Amo o que fui e o que fiz. Vivo cada momento, alimentada por estas lembranças. Se voltasse hoje, queria voltar como eu era, não como sou, porque não seria a mesma. No agora, só me serve o agora.
          É no longe que te encontro. Mesmo acordada, sonho, e deixo entrar na minha alma a alegria melancólica de velhas músicas. Sempre há um toque da tua mão no resgate das minhas saudades. Acompanhaste de perto o despertar das minhas emoções e juntos vivenciamos algumas, caso contrário não teria na lembrança, tão viva ainda, os sons de uma velha radiola.
          Viajo pelo mundo das fadas e dos duendes quando, revejo fotografias e encontro no colorido de uma tela de Rubens, imagens que se somam à minha realidade.
          O banco, a praça, o homem, a mulher. Flores e borboletas inauguravam olhos que começavam a enxergar o mundo. Olhávamos sempre na mesma direção. Víamos, no entanto, coisas diferentes. O mundo, então era menor, mais simples, o que nos permitia sonhar e ver a vida nascer e crescer, registrando sons, movimentos e cores. Hoje? O que sabemos dela? O que dela sabem estas crianças que nunca viram num galho de pitangueira, um ninho de passarinhos, nem viram o beija-flor medroso tocar de leve as flores ou o bem-te-vi fuxiqueiro fazer ameaças do alto da goiabeira?
          Não preciso de muito para ver no verde dos teus olhos o mundo refletido, sempre novo.
          Hoje, enquanto lia tua carta, pareceu-me ouvir as queixas meninas de um coração de criança ciumenta.
          É isso o que faço agora, exumo saudades, ressuscito lembranças e à noite exorcizo o presente para dormir, acordar e sonhar novamente.


Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega