Maria Inez do Espírito Santo
Meu neto acaba de descobrir o segredo da leitura formal. Sozinho. Lendo a vida. Como aconteceu com minha filha mais nova. Como acontece às vezes, com algumas crianças, mas não com os adultos. Por quê?
Fui ver “O Leitor” – mais um filme com Kate Winslet. Meu Deus! Como trabalha essa jovem mulher! Vários filmes com ela estão sendo apresentados simultaneamente. E é sempre tão bom seu desempenho! Isso acrescentado a sua beleza é realmente um presente para a platéia. Em “O Leitor” ela está magnífica! Como magnífico, como sempre, está Ralph Fiennes, meu “Paciente Inglês” inesquecível...
Agora, de volta a minha vida nem tão bela, nem tão talentosa, penso sobre leitura. Que é mais que juntar letrinhas, mais que decifrar códigos escritos, mas tem a ver, sim, com aproximar, dar sentido, compreender...
Essa história me levou a pensar na leitura através da sinestesia, pela interligação entre os vários sentidos, transformada em registro pelo afetivo, ouso dizer.
As primeiras aulas de leitura que o filme mostra são através do conhecimento erótico do próprio corpo. Da mesma maneira como foi para todos nós, um dia, alfabetizados, inicialmente, pelos cuidados exercidos pela função materna (nem sempre pela própria mãe), em nossos códigos corporais....
Na verdade, tudo começa, na tela, com um abraço de compaixão. Algo muito simples, mas capaz de estabelecer imediatamente um contato essencial.
Depois, através dos pequenos, triviais e depois intensos, profundos encontros corporais, os amantes vão desenvolvendo, pouco a pouco, a confiança suficiente para estarem apenas juntos: lendo, ouvindo, imaginando e também fazendo amor: com cuidado, com esmero, com requinte!
E então, alguma coisa se rompe. O código oficial dos costumes padronizados põe em questão tudo o que foi construído à parte, de forma particular, preciosa e genuinamente.
Na segunda parte da história, ficamos todos submetidos às regras da linguagem formal. Porque assim, também, ficam os protagonistas. Aí, tudo parece diferente, assustador, torpe, absurdo, inverossímel!
Não quero contar o filme. Mas, em mim, ficou a sensação do que Edgar Morin diz em “Meus Demônios”, quando afirma que uma pessoa pode passar a vida inteira agindo certo, mas que será sempre impiedosamente julgada por um único erro que tenha cometido.
No caso de “O Leitor” fiquei pensando em como todos nós corremos o risco de ter atitudes “nazistas” ao querermos excluir, sumariamente, tudo o que não podemos compreender ou integrar.
No fim da história, uma nova tentativa de leitura se inicia. Existe ali um homem buscando aprender a “reler” sua própria vida, através do mistério do compartilhar seus sentimentos.
Retornando, então, ao início desse texto, suponho que talvez por isso os adultos não consigam aprender a ler espontaneamente. Porque o caminho dos sentimentos genuínos, que possibilita a sinestesia, assusta de tal forma, que nos faz recuar, de vergonha e medo, frente a qualquer dificuldade de compreensão de novos códigos.
Há que fazer o caminho de volta!