segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A LAGARTA E A BORBOLETA



Padre Beto
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“Bom dia”, disse a borboleta à lagarta pousando no galho de uma árvore. “Você sabia que somos irmãs?” A lagarta levantando lentamente a cabeça olhou para a borboleta com certo espanto e respondeu: “Irmãs? Você deve estar enganada. Nós não somos nada parecidas!” “Não somos parecidas agora”, explicou a borboleta, “mas, daqui há algum tempo, você passará por uma transformação e se tornará muito semelhante a mim. Você poderá então voar e conhecerá novos mundos!” “Voar? Conhecer novos mundos?”, continuou a lagarta, “isso para mim é impossível!” “Tenha um pouco de paciência”, aconselhou a borboleta, “daqui há algum tempo, você poderá se alimentar do néctar das flores, ser livre para ir e vir e terá muitas cores em sua vida!” “Que eu poderei me alimentar do néctar das flores posso até imaginar, mas ser livre, possuir asas e cores tão bonitas como as suas, não posso realmente acreditar. Você está perdendo seu tempo ao tentar me iludir”, respondeu resignada a lagarta. A borboleta sorriu compreensiva com a falta de crédito da irmã e se despediu dizendo: “Muito bem, faça sua experiência de lagarta e um dia nos encontraremos novamente!”

Para o filósofo dinamarquês, S. Kierkegaard, o mundo e a vida não possuem um propósito determinado. Nós não somos como lagartas programadas para se tornarem borboletas. O único fato explicável e concreto sobre a vida humana é que somos indivíduos que possuem a habilidade de fazer escolhas. Justamente estas escolhas oferecem à vida um propósito. Em outras palavras, nós é que construímos o sentido da vida. Nada está imposto e pré determinado. A vida possui inúmeras forças escondidas, as quais só podemos descobrir e determinar seu valor vivendo, ou seja, fazendo nossas experiências. Somente descobrindo o poder que possui em determinar o sentido da vida, o ser humano pode passar de lagarta para borboleta. Para isso, a escolha mais significativa na vida é o que Kierkegaard chama de um “salto de fé”, ou seja, dizer sim à vida fazendo a escolha de que ela é o que mais importa. Ter fé na vida, ou seja, acreditar que ela seja um espaço maravilhoso de experiências de crescimento nos dá condições de encontrar um sentido para a vida que verdadeiramente nos enriqueça. Para o filósofo dinamarquês, não importa muito no que acreditamos, mas de que forma acreditamos. Por acreditar em Deus, por exemplo, o ser humano pode se tornar um alienado, um derrotado ou alguém capaz de vivenciar uma verdadeira transformação e saborear uma revolucionária auto-realização.

O ser humano pode, ao fazer a escolha pela vida, se realizar basicamente em três dimensões. Todas elas são importantes e nos complementam como pessoas humanas. Desde que nascemos, vivenciamos a auto-realização “estética”. Nesta, o ser humano está despertado para experiências hedonistas, em busca de prazer imediato e gratificação instantânea. Na necessidade da auto-realização estética vivenciamos somente o presente, limitando o significado de nossa existência à experiência momentânea. Nós aprendemos que a vida não é um problema a ser resolvido, mas uma realidade a ser experimentada. Viver os momentos de uma forma a buscar o prazer momentâneo não é algo necessariamente ruim, porém uma falha comum nesta busca de auto-realização é a tendência de perceber o momento presente com superficialidade. A maioria das pessoas que permanece na busca estética de auto-realização procura o prazer em uma pressa tão consumista que passa por ele rapidamente sem saboreá-lo com profundidade.

Sem abandonar a primeira, podemos viver a auto-realização “ética”. Nesta, o ser humano se encontra comprometido com princípios universais e padrões morais para guiar seu comportamento ampliando o significado da vida. Aqui encontramos os valores e os grandes ideais que nos levam a abdicar de um prazer atual e momentâneo para alcançarmos um bem maior. Quem ama uma pessoa ou sonha com uma sociedade mais justa e fraterna para todos conhece muito bem o sabor desta auto-realização.

Por fim, o ser humano pode se despertar para uma auto-realização “religiosa”. Nesta, descobre-se não o sabor de uma coisa ou idéia, mas do próprio movimento de transcender. A realização pessoal não está mais nos limites da existência, mas possui horizontes infinitos. O ser humano descobre que o dom da vida é eterno e alcança uma grande liberdade em viver. Como afirma Kierkegaard, quem possui o hábito da oração não tem o poder de mudar a Deus, mas possui a chance de mudar a si próprio.