Vladimir Souza Carvalho*
Foi num livro sobre a história de São Paulo – A Capital da Solidão -, de Roberto Pompeu de Toledo, que li uma revelação interessante: as crianças paulistas, filhas da mistura do branco com o indígena, ante a chegada de navios da Europa, se aproximavam dos passageiros para verificar se as mãos dos viajantes eram iguais as deles. Talvez o sentimento de curiosidade fosse tão tanto que compelisse a comparação. Tudo era igual no nativo e no alienígena. O fato vem do século dezesseis.
Fato quase idêntico ocorreu em um município sergipano, Aquidaban, nas últimas décadas do século vinte. Primeiro, uma explicação: Aquidaban é sertão, terras povoadas com a expansão do gado, na busca de áreas, ainda não cultivadas, para a sua criação, levando em conta o Vale do Cotinguiba se encontrar encharcado da cana. A esse fato se juntou a fuga de holandeses, daqui do Recife, se utilizando do Rio São Francisco, de maneira que grande parte se arranchou em terras que mais tarde estariam englobadas dentro do município de Aquidaban. Daí uma população de gente branca, faces rosadas, olhos azuis, que, ainda hoje, mantém vivas as características arianas.
Pois bem. Aquidaban, distante dos centros históricos de Sergipe, como Aracaju, Laranjeiras, Maruim, Estância, Itabaiana, etc, passou ao largo da escravidão, de maneira que suas terras não foram habitadas pelo africano. Justamente no aspecto surgiu o fato, com a chegada, na década de setenta do século passado, de um sargento de cor preta, com esposa e filho. O menino, acentuadamente preto, um crioulo autêntico, não podia, nas primeiras semanas, passear pelas poucas ruas da cidade, porque a meninada local corria atrás, não para maltratá-lo ou ofendê-lo. Corria por uma questão de curiosidade. Os meninos de Aquidaban, todos rigorosamente brancos, nunca tinham visto um preto. E o meu informante, que viveu o episódio, me noticia que o filho do sargento, quando se sentia assediado, corria de volta para casa, até que todos se acostumaram com o estrangeiro e o estrangeiro com a meninada local.
A conexão da curiosidade dos meninos paulistas se casa com a dos meninos de Adquidaban ante a figura, para os primeiros, do branco estrangeiro, para os segundos, do elemento preto. A diferença é que o paulista estabelecia comparação em busca de igualdade. O nativo de Aquidaban encarava como novidade. No fundo, a igualdade na curiosidade, a retratar, no último caso, um Brasil ainda pequeno e isolado, mesmo no final do século vinte, quando os contatos da população local com outros centros, de idade maior, ainda eram escassos, o que me faz invocar um menino, de doze anos, sobrinho do vaqueiro de propriedade rural de parentes, residente em um povoado, do município de Nossa Senhora das Dores, a me confessar seu desejo de ir a Aracaju só para ver o mar.
Publicado no Diário de Pernambuco