Euza Noronha
Tem dias que a vontade é escrever sem compromisso. Falar de amor, de saudades, de sentimentos que fazem de mim o ser comum que sou. Mas assisti a uma cena que me deixou questionadora. E me lembrei de um antigo texto onde falo sobre um tema que é reincidente na minha escrita. Reincidente na vida, para ser mais exata. É a condição humana mais uma vez sendo repensada. Somos nós e o nosso retrato nem sempre pensado porque raramente visto por nós.
Num momento em que estamos todos demonstrando vários sentimentos em relação ao escancaramento da corrupção dos nossos representantes, é preciso também nos colocarmos enquanto agentes deste processo. O termo corrupção tem vários significados em qualquer dicionário. Condicionamos a associá-lo apenas ao servidor público e ao político. Mas a acepção correta da palavra é ato, processo ou efeito de corromper, modificar, adulterar as características originais de algo em causa própria ou de outrem.
Façamos então nosso exame de consciência. Quantas vezes na vida nos colocamos frente a uma situação em que está em nossas mãos mudar o rumo ou a característica de algo a nosso favor ou a favor de alguém que nos interessa? E quantas vezes retrocedemos em nome da nossa própria honestidade? Não estou me referindo aos grandes escândalos, mas a pequenezas como usar de amizades para ganhar uma vaga de emprego, para não enfrentar uma fila, para obter vantagens numa compra qualquer.
Ora, dirão, mas é indecente comparar isto ao rombo bilionário dos cofres públicos. Então eu me pergunto: aquele que é hoje capaz de ser pouco ético em situações corriqueiras terá ética numa situação de poder? Aquele que não se sente prejudicando ao usar de influência para levar alguma pequena vantagem ou é valorizado por sua esperteza, sentir-se-á roubando ao ficar com o dinheiro do estado – que na visão comum é de todos nós e assim sendo é também deste cidadão que está em posição de usá-lo em benefício próprio?
Honestidade é caráter e caráter é formação familiar. Não se aprende a ser honesto na escola. Não há universidade capaz de formar um sujeito honesto. Mas aprende-se na convivência diária lá na primeira infância. Uma criança aprende a mentir quando assiste ao pai ou mãe ou um adulto de sua confiança mandando dizer ao telefone que não está em casa. Aprende a não ser honesta quando escuta qualquer um deles justificar uma falta ao trabalho com uma doença imaginária. Situações comuns, normais e consideradas inócuas em todas as classes sociais. Mas não o serão na formação de uma criança que olha a quem admira e confia como modelo a ser seguido e defendido.
E por aí caminham os ensinamentos que fazem de nós seres exigentes em relação à honestidade do outro, mas completamente paternais em relação à nossa própria. Talvez este seja um bom momento para repensarmos em conceitos como ética, moral e honestidade. E nos lembrarmos que é dever nosso cobrar probidade e honestidade dos nossos representantes, seja no executivo ou no legislativo. Mas é dever precípuo cobrar de nós mesmos, de nossos familiares, de nossos amigos, e até mesmo de desconhecidos, atitudes mais coerentes com a honestidade que pregamos.
Quem sabe assim ser malandro esperto deixe de ser um valor para o brasileiro?