PARTE II – O SANTO BATISMO
Dom Sebastião Armando Gameleira Soares *
Sabemos muito bem da importância fundamental deste sacramento. O Apóstolo São Paulo chega a descrevê-lo comparando-o à situação-limite do trauma da morte: “mergulhar” na morte de Cristo, morrer com Ele e ressuscitar para viver nova vida… São João vai dizer que é como se não existíssemos antes e nascêssemos: “nascer de novo”… Na teologia cristã, o “trauma” (a conversão e a graça do novo nascimento) experimentado no Batismo tem de ser mais forte ainda do que o trauma da morte física (cf. 1Jo 3, 14; Jo 5, 24-25; Fl 1).
Com o Batismo se dá a Iniciação Cristã, a qual se consuma na Confirmação e na Eucaristia. Em o Nome da Trindade Santa nascemos de novo das águas (sempre nascemos das águas…), ao amadurecer somos “batizados no Espírito Santo” (é isto a Confirmação, ah, quando o será de verdade!?) e participamos da Ceia do Senhor. Os sacramentos da Iniciação nos constituem em Corpo de Cristo. Por isso falamos da Eucaristia como “Sacramento do Corpo de Cristo” que é a Igreja, isto é, nós. Aos teólogos antigos dava particular prazer meditar sobre a relação profunda que existe entre o “Corpo Eucarístico de Cristo” e o “Corpo Místico de Cristo”, sendo a comunidade de fé o nexo entre as duas categorias teológicas. Celebramos a presença viva de Cristo entre nós porque nós somos essa presença enquanto membros de Seu Corpo. Eis o maravilhoso mistério de nossa identidade! Santo Agostinho assim falava da Eucaristia: “Ao apresentar-te ‘o Corpo de Cristo’, tu me respondes: ‘Amém’, isto é: ‘Eu sou o Corpo de Cristo’, e tu recebes o que já na verdade és, o Corpo de Cristo”.
Quando quem se apresenta para o Batismo é criança de família da Igreja, ou pessoa adulta convertida e em processo de catecumenato, não é difícil sentir a grande alegria pastoral de quem acolhe novos membros na comunidade cristã. Mesmo assim, não é nunca tempo perdido ter alguns encontros e conversar com pais e padrinhos (que devem ser membros da Igreja) e lembrá-los das responsabilidades que assumem de educar na fé.
Acontece, porém, que com certa freqüência a Igreja é procurada por motivos sociais e culturais, que não coincidem por si mesmos com a fé cristã. Ainda faz parte da “cultura cristã” do país ser batizado. É algo que “todo mundo faz”, “é bênção para as crianças”, “até evita adoecer”, e “faz a criança virar gente, filha de Deus”… Não há porém nenhuma intenção de comprometer-se com os valores do Reino de Deus e, muito menos ainda, com a vida da comunidade. Trata-se no máximo de alimentar um “sentimento de temor religioso”. Usam de nós para isso, como usariam qualquer “sacerdote”, pajé ou curandeiro, sem nem de longe compreender o que significa o Batismo cristão.
É verdade que, nesses casos, pode-se oferecer a nós especial oportunidade missionária. Mas isso só terá resultado positivo se o tratamento que lhe dermos for sério e adequado. A primeira coisa a fazer é acolher as pessoas da melhor maneira possível, pois precisamos compreender e dialogar com a cultura religiosa da massa do povo. Mas será preciso apresentar-lhes algumas exigências, coerentes com o que compreendemos como sendo o Batismo cristão. O mínimo que se pode fazer é ter com elas uma série de encontros pastorais e até visitas em casa para ajudá-las a explicitar a motivação que as faz pedir o Batismo para as crianças. Além disso, explicar-lhes com zelo e paciência o que é de fato o Batismo e as implicações que decorrem da condição de pessoa batizada e de quem assume a responsabilidade de guiá-las na fé. Ainda, conversar sobre o que tem significado o Batismo em suas próprias vidas, de pais e padrinhos, como opção pelo caminho de Jesus e seus valores de vida, e como compromisso com o Reino de Deus e com a comunidade da Igreja. Finalmente, é preciso pô-las em contacto com a congregação local. Todo esse processo não se faz só com um ou dois encontros, nem se trata de encontrar-se só com o clérigo, mas com a Igreja. Não se pode reduzir a preparação a algo superficial que não passaria de mera formalidade. Se as pessoas não se dispõem a fazer esse processo de “neo-catecumenato”, não vale a pena gastar nossa energia e tempo, pois é claro indício de que não desejam comprometer-se, ou seja, não se nos oferece nenhuma oportunidade missionária. Estaríamos a gastar tempo só para alimentar um vago sentimento religioso que quase nada tem a ver com a edificação da Igreja.
Não convém fixar taxa pecuniária para o Batismo. Corremos o risco de dar às pessoas a triste impressão de que sacramentos se pagam e nós trabalhamos à caça de dinheiro. Na instrução preparatória, porém, deve-se esclarecer que se trata de ocasião privilegiada para fazer oferta especial para a obra de Deus na Paróquia. A isto, sim, as pessoas devem ser intensamente estimuladas e a elas deve ser explicado o sentido particular da oferta em tal ocasião. Quem sabe, pode-se preparar envelopes especiais que as pessoas recebem e anonimamente neles depositam o que ditar a generosidade do coração. É sinal de reconhecimento para com a comunidade que as recebe com especial carinho.
É grandemente recomendável que as famílias que trazem crianças ao Batismo sejam depois visitadas por equipe de membros da Igreja, para que o vínculo se mantenha e se fortaleça ainda mais, e para que a catequese iniciada possa continuar. Isto significa que, na congregação local, deve existir a “Pastoral do Batismo”.
Conforme os Cânones, no Batismo não se trata de ato “privado” celebrado por algum reverendo e quem pede o Sacramento. Trata-se sempre de ato “público” a ser registrado em livro próprio a isso destinado, em Paróquia ou Missão (cf. Cânones Gerais, Cap I, Can 5, art 4º, letra “e”). É claro que qualquer clérigo em uso regular de Ordens pode ser convidado a presidir ao Batismo. Mas a administração do Batismo é um ato comunitário “paroquial”, sua preparação deve ser promovida pela pastoral paroquial e a presidência deve sempre ser combinada em acordo com o Pároco ou Ministro Encarrregado. É bom lembrar que “Ponto Missionário” não tem livro oficial de registro próprio e se reporta sempre aos registros paroquiais.
Já que os batizados são assentados com nomes e endereços, não seria uma bonita iniciativa enviar um cartão ou uma mensagem, ou fazer uma visita à família por ocasião do aniversário do Batismo? Seria uma das tarefas típicas da equipe de “Pastoral do Batismo”.
No caso de pessoas adultas, é óbvio que o Batismo só deve ser administrado se a pessoa está decidida a converter-se, se se dispõe a seguir o processo preparatório de catecumenato e a assumir a condição de membro da Igreja.
“Ministrado preferencialmente com a Santa Eucaristia, o Batismo será celebrado imediatamente antes do Ofertório”. (LOC, pg 162). A comunidade reunida recebe seu mais novo membro, seus familiares e amigos. É também gesto particularmente catequético evidenciar a íntima relação entre Batismo e Eucaristia, os dois ”Sacramentos Maiores”, da Iniciação Cristã. De acordo com a tradição da Igreja, não convém realizar Batismos durante a Quaresma, por seu caráter penitencial. A Páscoa é a ocasião mais propícia, sendo a Vigília Pascal do Sábado Santo o momento mais adequado. Fora disso, os domingos e dias santos têm preferência “para que os fiéis sejam testemunhas e relembrem os seus próprios votos e promessas batismais” (LOC, pg 162).
É significativo usar uma vela, acesa no círio do altar, para lembrar a luz de Cristo e nossa missão de ser luz do mundo. Os pais levam essa vela de lembrança e, a cada ano, no aniversário do batizado, a acendem junto com as crianças e aproveitam a ocasião para um especial momento de catequese doméstica. Crianças, como todos e todas nós, aprendem mais por atos do que por simples palavras… são esponjas que absorvem o ambiente, daí a importância dos gestos e dos exemplos.
* Bispo da Diocese Anglicana do Recife – DAR
OBS: A PARTE III – O SANTO MATRIMÔNIO - e conclusão serão postadas na proxima semana.