Ir para a escola interrompia minha vida. Bom mesmo era ficar no quintal onde eu era feliz sem precisar ler e escrever.
Entrei no velho casarão de salas e corredores mal-assombrados, móveis imprestáveis e uma professora espantada pela velhice. Chão de tijolos quebrados e sujos, paredes mofadas de onde pendiam os restos de um quadro negro. Um armário capenga encostado na parede feito ela fosse uma bengala, uma balança sem serventia, alguns livros roídos pelas traças e uma caveira que me olhava sorrindo. À noite, nas sombras da lamparina os buracos sem olhos vadiavam nas paredes do quarto.
O quintal sombrio, sem grades e sem portão era o caminho para os quintais vizinhos.
Achava era bonito ver os alunos mais adiantados ler e copiar as lições que a professora escrevia no quadro. Pedi para uma colega copiar pra mim. Levei para casa. Minha mãe mostrou a sinhá Maria. Minha avó me olhou por debaixo dos óculos e à noite, arrependida, rezei pedindo perdão. Bastava o dia clarear e o morcego do arrependimento sumia.
A professora controlava as idas e vindas ao quartinho com uma pedra que a gente pegava na ida e devolvia na volta. Consegui outra igual. Quando um aluno pedia para ir fora, eu esperava uma distração e colocava a minha pedra no lugar da outra. E, logo, pedia para sair. Juntos saqueávamos o parreiral da vizinha.
Empanturrada de uvas, voltava para a classe. Passava mal, não podia controlar os arrotos, se tentava transformavam-se em soluços. Minha mãe foi chamada à escola. A professora se queixou de que eu ia muito ao quartinho e cochilava durante as aulas.
Descoberta fui de castigo em casa e na escola.
Obs: Texto retirado do livro da autora – Pecados de Areia