Maria Inez do Espírito Santo
Caí mais uma vez no conto do vigário.
Li algumas coisas elogiosas sobre o filme “O Signo da Cidade” (esqueci, é claro, de atentar que o Daniel Filho, interessado direto, tava dando uma ajudinha na divulgação) e arrisquei-me seriamente, ao ir assistir a Bruna Lombardi, de atriz e roteirista simultaneamente. Tudo um desconserto!
Bem, deixe eu explicar por onde me iludi. As sinopses do filme e algumas críticas favoráveis, descrevem a protagonista como uma astróloga. E falam de uma teia que rompe o isolamento urbano e promove a redenção. Instigante, me pareceu. Mas essas observações são pura miragem!
Na verdade, o filme que vi é um arremedo de drama que, tentando mostrar a densidade de situações humanas de grande sofrimento, acaba tratando tudo com uma superficialidade e uma previsibilidade no mínimo medíocres.
No entanto, algo sobressai para mim, quando a fita termina. E é algo da ordem da falta de conseqüência, da impunidade, do descompromisso com a realidade.
Em primeiro lugar, a protagonista é tudo, menos astróloga. Misto de consultora sentimental de programa de rádio, taróloga de segunda classe, plantonista voluntária de um pronto-socorro próprio, Bruna Lombardi nem consegue ser boa intérprete. Ela interpreta a si mesma, com sua fala enjoadinha, seu jeitinho boa moça meio sofrido, quase coitadinha; um esteriótipo de pessoa politicamente correta, limítrofe para 1-7-1. Entre arroubos de posicionamentos indignados contra a normose da sociedade e a desonestidade estabelecida, ela participa de arranjos pra descolar um dinheirinho extra, julga e condena quando e como lhe convém e não se preocupa em nenhum momento com ética ou responsabilidade. É uma bem intencionada/desastrada, a maior parte do tempo.
Aliás, como é ela mesma a roteirista, ouso dizer que empresta a mesma atitude aos demais personagens. Uma bebê abandonada pela mãe, depois de ser parida na rua, é levada na mesma hora para a casa de um jovem gay, de quem passa a ser “filha”, sem respeito a nenhum ritual de adoção. Tudo mágico! Um jovem suicida na casa da “astróloga”, que aceitava mantê-lo dependente de seus conselhos, até que não suportando mais, diz a ele, aos berros: - Se você não quer se ajudar, vá ajudar aos outros!
Nada mais patético e irreal. É uma lição que pretende reproduzir a conduta da própria protagonista, que não dando conta de si mesma fica de lá pra cá, buscando na desgraça alheia uma forma de esquecer a própria vida. Mas, como se não bastasse, o filme não mostra qualquer tipo de conseqüência para o suicídio. Passa por ali um policial escorregadio, que volta à cena, outras vezes, em situações diversas, para não ser nada além de viscosia inutilidade. Não aparecem familiares do morto que questionem as circunstâncias em que ele morreu, restando apenas, de sua presença na casa da “astróloga” um monte de escritos, um anel e uma chave. Pois é usando o “mapa” traçado por esses objetos que Bruna Lombardi vai chegar a um hotel onde entra sem nenhuma dificuldade e encontra uma moça que acaba de fazer um aborto sozinha e se esvai em sangue. Também desse fato, nenhuma conseqüência maior surge. Milagrosamente, com a ajuda de “amigos angelicais” ela salva a rapariga, que levanta-se da cama dias e muitas malcriações depois e vai dar direto numa trepada redentora, sem qualquer resguardo ou constrangimento. Até porque esta é outra personagem brotada do nada, sem eira nem beira, de quem não aparece qualquer laço familiar ou de amizade. Poderia ser significativo o fato do suicida e da jovem terem, em comum, além do bebê abortado, o sintoma de se cortarem compulsivamente. Mas a alusão a tão grave distúrbio psíquico surge e desaparece da mesma forma, quase ilustrativa, sem maiores considerações de significados possíveis. Por fim, a moça, “curada” repentinamente pelo “amor” joga no lixo os estiletes com que se flagelava, tendo o cuidado de desembrulhá-los. Fiquei pensando no pobre do lixeiro que recolheu aquele “presentinho de grego”.
Enfim, o que eu quero registrar é que não dá pra saber qual o signo daquela cidade, até porque não tem nenhuma leitura astrológica no roteiro. Só um cenário que junta cristais, incensos, velas, café descafeinado, mel, desenhos de mapas no papel e na tela do laptop, cortinas de seda, sal grosso e baralho de tarô. Mais clichê, impossível! Penso mesmo que identificar a personagem principal como astróloga chega a ser um desrespeito às pessoas que estudam e se dedicam à astrologia com seriedade. O que o filme apresenta é só uma série de atuações de uma mulher cheia de recalques, tentando ser a salvadora de todos (nossa versão de Amelie Poulain, ai meu Deus!) e a cada passo confundindo-se mais com seus “clientes” e suas neuras.
Para mim, o filme não vale o dinheiro do ingresso, (mesmo pagando meia-entrada), porque, hoje, já tenho consciência de quanto meu tempo é precioso. Saindo do cinema, não trouxe, dentro de mim, nada que me acrescentasse, enriquecesse ou transformasse. Uma lástima!