Vladimir Souza Carvalho *
Duas cidades brasileiras se batem com Paris pelo título de a mais bela do mundo. Uma, Itabaiana, a sergipana, cortada apenas por um riacho, cuja candidatura tem sido por mim sustentada. A outra, Sousa, na Paraíba, com a vantagem de ser alimentada por dois rios, na visão telúrica do des. Paulo Gadelha. Não sei qual das duas se sairá vencedora, acreditando, apenas, que, qualquer que seja o final, a federação não sairá dividida, graças aos bons deuses.
Contudo, temo pela sorte das duas cidades. É que de Paris vem fogo cerrado e pesado. Não pela presença da torre disso, da avenida que tem nome de campo, nem pelas estátuas nuas do Louvre, nem pelo quadro da mulher lisa que não se sabe se era mulher mesmo ou um homem, nem ainda pelas danças nos domingos a tarde nas margens do rio de águas esverdeadas. É que Paris é Paris e nem Hitler teve a ousadia de mexer na fisionomia da cidade. Ademais, o parisiense, sabendo, de antemão, que a disputa é acirrada (se Nova York não lhe faz sombra, Itabaiana e Sousa vestem roupas mais fortes), começa, via de espiões bem infiltrados na cozinha nordestina, a levar nossas comidas para seu torrão.
Santa verdade! Os nossos pratos mais tradicionais, com cheiro de nordeste, começam a sofrer a adaptação tão especial dada pelo toque parisiense. O resultado é que Paris, para não perder a disputa, já come tripa de boi! Tripa de boi, repito e reitero, servida nos cardápios de restaurantes, não dos mais sofisticados, porque nesses não passei nem na calçada, mas em restaurantes mais simples, como um, na Place des Vosges, perto da casa onde Victor Hugo morou.
Digo porque fui traído pelo cardápio, supondo cuidar a lingüiça de outro ingrediente, o que, me balançando o coreto da gulodice, me fez solicitar, na curiosidade de cotejar seu gosto com as nacionais, e, sobretudo, as nordestinas de minha infância, as carnes bem cortadas e espremidas, a tripa do porco sendo enchida no trabalho artesanal de mãos hábeis de cozinheiras velhas. Qual o quê! Quando cortei a lingüiça, percebi que era constituída por tripas de boi cozidas. Pelo menos, fossem assadas, ainda se admitia. Mas, tripas cozidas, servidas com três ou quatro pedaços de batata, bem, admito, me dei por vencido. Para evitar maior prejuízo, terminei deglutindo (fome é fome), convicto que a disputa pelo título de a cidade mais bela do mundo dificilmente sairá de Paris.
Sim, porque, se já importaram a tripa de boi, é bem provável que a buchada de bode a qualquer momento atravesse o Atlântico em direção a Paris para se constituir em outra arma, genuinamente nordestina, que o parisiense terá para enfrentar Itabaiana e Sousa, que, com o tempero francês, atravessará bem a nossa infantaria e, mesmo sem Napoleão no comando, se constituirá em uma atração a mais, como a dizer que, se Paris, que já come tripa de boi, passa também a deglutir a buchada de bode, somadas a outras atrações, só nos restará retirar o cavalo da chuva e aguardar, talvez, lá pela frente, uma nova oportunidade para outra disputa.
Publicado no Diário de Pernambuco