Marcelo Barros(*)
Vivemos hoje, não apenas uma época de mudanças, mas uma mudança de épocas. Isso não é apenas jogo de palavras. Significa uma mais profunda transformação da cultura e da nossa forma de nos situar em sociedade. Sem dúvida, a estrutura familiar e as relações entre pais e filhos são muito afetadas pela instabilidade social e econômica, assim como pela ausência de referências culturais que no passado dava certa segurança à sociedade. Nesta conjuntura, comemorar o “dia dos pais” pode ser ocasião de repensar certos valores como a importância das relações entre pais e filhos e a missão da família na sociedade em que vivemos. Este tipo de comemoração tem forte apelo comercial, mas não deixa de suscitar emoções positivas, seja para quem pode abraçar seu pai, seja para as pessoas cujo pai já partiu para a eternidade.
Na antiga sociedade patriarcal, o pai era uma figura venerada ainda que à distância. Era o provedor econômico, mas também pedagógico de toda a família e concentrava em si uma autoridade que hoje não existe mais ou ao menos do mesmo modo. Com a benéfica crise da estrutura patriarcal da sociedade, o que acontece é que muitas vezes, a figura paterna, antes tão destacada, agora se torna quase apagada, como se os pais não tivessem mais clareza sobre sua função na família e na relação com os filhos. Ora, as pessoas podem ter amigos e amigas, mas cada ser humano tem apenas um pai e uma mãe. Em seu tempo, São Paulo escreve a uma comunidade que ele havia fundado: “Embora vocês possam ter dez mil instrutores, não têm muitos pais. Só eu os gerei no Cristo” (1 Cor 4, 15). De alguma forma, o pai e da mãe são responsáveis pela primeira educação da criança e pela estruturação da sua personalidade.
Na busca de modelos, muitas vezes, a sociedade ainda idealiza como deveria ser um bom pai ou uma mãe perfeita. Por ocasião do dia dos pais, na mídia, circulam muitas mensagens que falam de um pai maravilhoso que, dificilmente, na vida concreta, podemos encontrar.
Na maioria das vezes, as próprias condições de vida obrigam o homem a trabalhar longe de casa e da convivência familiar. Quando em São Paulo e no Paraná é tempo de colheita da cana de açúcar, ainda há cidades no interior do Nordeste, onde muitos homens deixam casa, esposa e filhos por um, dois ou três meses. É o preço da sobrevivência. Por outro lado, hoje, no Brasil, uma em cada três crianças que nascem não tem como festejar o dia dos pais. Não apenas por ser pobre ou por algum desastre natural que lhe roubou o pai, mas porque na sua certidão de nascimento consta apenas o nome da mãe. O pai natural não a assumiu como filho ou filha. Todos os anos, no Brasil, nascem cerca de 800 mil crianças, frutos desta situação desumana (revista Época, 27/ 07/2009).
No plano biológico, ser pai é relativamente fácil. Atualmente, existem técnicas genéticas que garantem isso para quem, por acaso, tem alguma dificuldade. O mais desafiador é viver a vocação de pai. Isso significa muito mais do que apenas gerar fisiologicamente alguém. É assumir o acompanhamento progressivo de uma pessoa que, para crescer e amadurecer como ser humano, precisa de um ambiente sadio que comumente o pai e a mãe, ou quem assume o seu papel, podem proporcionar. Por isso, mesmo com todas as dificuldades e se, hoje, a luta pela sobrevivência das famílias é mais desgastante do que antes, é sempre fundamental garantir um tempo de diálogo entre pais e filhos/as. Só através do diálogo direto, as crianças e jovens podem ser educados e estimulados a desenvolver valores interiores, assim como aproveitar melhor a benéfica fecundação entre escola e vida.
Mesmo se o pai passa o dia fora de casa e ao voltar, está mais cansado e ainda com coisas a fazer, seja como for, é importante que, como homem, não desista de cumprir também a função de educador de seus filhos e filhas. A escola cumpre um papel fundamental, mas o apoio afetivo do pai e da mãe é indispensável para motivar a criança e o jovem a avançar no caminho da educação integral. Mesmo se em sua época, não teve as mesmas condições de estudar, ao acompanhar discreta, mas efetivamente o filho e a filha no aprendizado permanente que a vida encerra, o pai é chamado a gerar não mais corporalmente, mas para que seus filhos e filhas sejam seres humanos completos. Ao fazer isso, todo pai pode constatar como o poeta Vinícius de Moraes tinha razão no Poema Enjoadinho, ao afirmar que os filhos dão um trabalho imenso, mas, ao mesmo tempo, “que felicidade, os filhos dão!”.
Ser pai significa assumir encargos sociais e humanos. Entretanto, para quem crê, é principalmente aceitar ser imagem e parábola de Deus-Amor, principalmente para as pessoas que nos olham como pai ou mãe.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.