segunda-feira, 22 de agosto de 2011

EXPRESSÕES DO TEMPO DO RONCO


Vladimir Souza Carvalho *


          Uma colega de Pilates, d. Elze Andrade, quando vai passar uns dias com a mãe, que mora em uma propriedade rural no município de Carira, utiliza o termo roça para a fim de dizer para onde vai e de onde vem. Vou à roça. Estive na roça. A expressão me chama a atenção, porque, nos tempos dos outroras da vida, ouvi muito o termo roça empregado para qualificar um espaço, dentro da área rural, onde se explorava algumas culturas. Em Machado de Assis – que estou sempre a ler em decorrência de um trabalho que elaboro em cima de Dom Casmurro, do qual, em outra ocasião, falarei, - encontro o termo roça para exprimir a zona rural em si, a propriedade ali encravada, a fazenda propriamente dita, onde se explora a pecuária. A linguagem de minha coleta de Pilates se casa exatamente no significado que Machado de Assis emprega, por exemplo, em Quincas Borba.

          Aos meus ouvidos e a minha mente o termo roça vem mexer no adormecido dos tempos de menino, na ressurreição de palavras que não se pronunciam mais, habitantes apenas de dicionários e de velhos romances. Daí a invocação que faço a obra de Machado de Assis. Em Dom Casmurro, o verbo sarar (v.g.: ... a ferida foi sarando; ... a ferida sarou de todo – Cap. XVI), muito usado nos antigamente da vida. Hoje, pelo menos na roda em que vivo, não mais o ouço, substituído que foi pelo verbo curar, que parece ter uma simbologia desprovida de pucamão.

          Em Dom Casmurro, colho outro exemplo que até as décadas de cinqüenta e sessenta escutei muito, sobretudo nas feirinhas de Natal. Refiro-me ao termo festas. De Machado, referindo-se a José Dias, que se torna agregado da casa de d. Glória, vivendo sem salário, recebendo apenas casa e comida, e aí vem o termo: ... salvo o que quisessem dar por festas (Cap. V). Nestas festas um leque imenso se abre e meu pai aparece. Estou menino, mão segurando a sua, em plena feirinha de Natal. Um moleque passa e pede as festas a papai. O velho, que era filósofo, responde com uma pergunta: mais festas do que estas? E aí apontava para os trivolis, a onda, os barcos, o balanço, e tudo o mais que fazia parte do circo da feirinha. As festas que José Dias recebia, quando lhe davam, significavam algum dinheiro, ou, em linguagem um tanto suburbana, um agrado, palavra que substitui a gorjeta.

          Há outro termo em Dom Casmurro que mexe com o coreto de minha memória: taramela (Cap. XIII). Lá em casa, na porta do oitão, tinha uma. Mas, a gente conhecia por tramela. Ambos os termos repousam no dicionário. A pessoa, que me honra com a sua leitura, sabe o que é taramela ou tramela? Leio no dicionário: ”pequena peça de madeira, retangular, atravessada no centro por um prego que lhe serve de eixo e que, cravado na ombreira de portas e janelas de casas rústicas, permite movimento para as fechar”. Tal qual. Era assim mesmo.

          A da casa de papai funcionava bem, permitindo se abrir a porta por fora. Evidentemente que era usada numa época em que ninguém se incomodava com a segurança, porque não havia perigo algum de estranho dela fazer uso. Os tempos de hoje, de cadeado, grade de ferro, cerca eletrificada, transformaram a tramela em objeto obsoleto e, acredito, já extinto.

          Há também em Dom Casmurro termo que o tempo alterou a grafia: - sim, não sairá maricas (Cap. CXII). Do que me lembro, e me lembro com exatidão, a expressão, entre todos os filólogos de Itabaiana, sofria uma pequena e substancial alteração. Em lugar de maricas, era marico, com significado de veado. Quem estiver preparando um dicionário, poderá citar o exemplo, talvez único, colhido em Itabaiana. Afianço que é verídico.

          Pois bem. As expressões mencionadas, digamos assim, para poder bem conferir o significado devido, são do tempo do ronco. Agora, o que é ronco, não me perguntem, porque não sei responder. Acho que é coisa antiga. Mas, a origem do termo propriamente dito, admito, escapa aos meus parcos conhecimentos.


Publicado no Correio de Sergipe