Maria Inez do Espírito Santo
- Um por todos e todos por um!
Esse o grito do compromisso de união, que aprendi com a história “Os Três Mosqueteiros”. Aprendi, também, que os três mosqueteiros acabaram sendo, em verdade, quatro. Mas o nome do grupo não mudou com a chegada do mais um.
Três é o número da transformação. É com a chegada do terceiro ponto que se cria o espaço interno. Entre a dupla, pode apenas existir uma linha, rota única. O triângulo se delineia com o surgimento do terceiro ponto, que permite novas e infinitas combinações.
Mas do que é que eu estou falando, afinal?
É que implico com o final esticado e/ou arrumadinho de alguns filmes (geralmente os filmes do tipo americanóide). Gosto mais quando o diretor deixa à história e a nós, espectadores, consequentemente, algum espaço para que possa surgir o que não é tão óbvio.
Vi dois bons filmes nos últimos dias. Mas aos dois faltou o espaço vazio, no final. Ou sobrou informação e cobertura. Todas as lacunas preenchidas, senti, nas duas fitas, uma certa intoxicação do enredo. Excesso. Necessidade nada criativa de contar a história para além do final, cujo tempo pertence (e como tal deveria ser respeitado) à própria narrativa.
O primeiro - “Foi Apenas um Sonho” segue o modelo de outros tantos filmes que já buscaram revive as questões dos anos 50 e as consequências da mudança de costumes, que, iniciada àquela época, veio permitir a homens e mulheres externarem suas insatisfações, destampando o caldeirão fervente de desejos reprimido, de hipocrisias e dissimulações, tão habituais e aparentemente normais, até então. É um bom filme, com ótimos atores e algumas cenas bem interessantes. Mas quando, no fim, tudo já mostrado e dito, o diretor continua, repetindo o desgastado modelo “quadro negro”, exagera na dramaticidade e faz perder, em qualidade, a dimensão trágica, importantíssima pra despertar reflexão. O corte que te deixa com a angústia é fundamental para a elaboração.
Por mim, o filme terminaria quando April (Kate Winslet) sobe as escadas da casa, já determinada sobre que atitude vai tomar. O que vem depois é desnecessário, quase piegas. Mesmo os dois diálogos dos casais amigos são explicitação demasiada daquilo que se pode concluir da trama, dispondo de um mínimo de sensibilidade e reflexão.
“Quem quer Ser um Milionário?” – o grande campeão de muitos Oscar – também é, inegavelmente, um bom filme. Não tão bom quanto “Cidade de Deus”, é preciso reconhecer. Mereceríamos ter ganho aquele Oscar, quando foi sua vez! O grande sucesso deste filme de agora só confirma que estávamos no caminho certo e eu creio que o trilhamos com mais competência.
Ainda assim, com ritmo e qualidade impecáveis, desde as primeiras cenas “Quem quer Ser um Milionário” envolve a gente num turbilhão de sentimentos de repulsa, compaixão, empolgação, surpresa. E esses sentires mixados não nos dão muito tempo para reflexão. Criam o ritmo idêntico ao de um programa de auditório de televisão, similares, atualmente, no mundo todo. Mais que a verdadeira Índia, como diz o menino da história, mostrada em tempo real é, a nossa época, de valores tão contraditórios e contaminados, que está desnudada ali.
Se o filme não fosse tão bem feito, talvez a gente pudesse ser mais crítico durante a sessão. E isso não chegou a acontecer comigo, durante boa parte do desenrolar da história, tão na torcida eu me coloquei. No entanto, o desconforto me pegou, em cheio, à medida em que a trama foi terminando.
O que quero dizer, então, é que, no mínimo, não concordo com o final. Para mim, a última resposta dada no programa, tinha que ser errada. A necessidade de transformar o favelado num milionário e, como se não bastasse, de fazer das últimas cenas uma apoteose bollywoodiana desmerecem todo o intricado processo e os símbolos usados durante o filme. Porque nunca houve, ali, um terceiro mosqueteiro, ninguém poderia saber seu nome certo. Durante toda a vida daqueles meninos, sempre que havia a possibilidade do trio se constituir como tal, algum deles era expelido do conjunto, de uma forma ou de outra.
Maktub! - o que está escrito – a sina que o filme aponta - é que o rapaz e a moça, findas as dificuldades, vão ficar juntos, ser um casal. E eu creio que poderia ser assim, sem precisar adicionar a “mágica” da super fortuna, como envoltório superlativo. Por quê? Pois justamente o que de mais bonito o filme nos oferece, é a idéia de que as respostas certas estão o tempo todo em nossas próprias vidas. E que para encontrá-las, basta estarmos atentos, ler nas entrelinhas e acreditar no que vemos, sem medo de errar. E isso é única verdadeira riqueza que podemos possuir: chave de toda sabedoria - poder reconhecer o que sempre foi inscrição.
Por outro lado, e não menos real, a história nos mostra que o que há de mais terrível nas relações humanas é a impossibilidade de se encontrar equivalência perfeita no sentimento do outro, ainda quando este outro seja um nosso irmão de sangue. Difícil admitir, mas, em nenhum momento, as três crianças, que se tornam três jovens sobreviventes, se relacionaram, de fato, como “três mosqueteiros”, porque faltou a dois deles ter incorporado o lema da parceria irrestrita. O herói da história, apenas ele, teve sempre comprometimento com a lealdade, a sinceridade, a compaixão. Mas, e talvez por isso mesmo, esteve sempre só.
Enfim, aí estão, em cartaz, os dois filmes, para quem quiser conferir minhas reflexões.
Sei que muita gente os tem achado excelentes e fico até constrangida em ser a que estraga o prazer fácil e aparentemente gratuito de uma avaliação mais superficial. Sem dúvida é bem mais cômodo comprar a massa do bolo pré-misturada, ou até mesmo comprar o bolo já pronto. Mas, nesses casos, nem você participa da magia da transformação de elementos diversos num novo produto, nem sentirá o gosto inigualável do que é genuíno e único.
Sair da forma, prosseguir no processo de transformação contínua, exige enfrentar que as partes da trama nunca se encaixam numa combinação exata. É onde permanece algum espaço vazio, que algo de novo pode surgir.