Dade Amorim
Estou do Adolfo Bioy Casares, A invenção de Morel, em tradução de Samuel Titan Jr., editado pela CosacNaify em 2006.
Nestes tempos de delírios visuais, imagens vertiginosas que supostamente dispensariam as palavras e se autoexplicariam sem maiores delongas, este livro – um cult da literatura internacional, de trama considerada perfeita por Jorge Luís Borges, amigo de Casares, seu parceiro e admirador – é um exemplo de que o uso das palavras é uma fonte de recursos que as imagens por si sós nunca vão suprir. Ainda por cima fala justamente de imagens, tão poderosas que foram capazes de subverter a vida do protagonista, um fugitivo político da justiça que se esconde em uma ilha deserta.
Os enigmas de A invenção aguçam a atenção do leitor e o impelem a perseguir o fio da narrativa, que em alguns trechos parece perdido entre as folhas secas do chão da ilha. O caráter teleológico que alguns emprestam ao texto de Casares pode ser discutido. Dificilmente uma literatura tão perfeita e enxuta poderia visar outra finalidade que não ela própria. Mas para o leitor atento fica bem claro que estão em jogo fatores imanentes ao ser humano, como a percepção nem sempre confiável e a imaginação que se alia ao desejo para lhe pregar peças – às vezes de mau gosto.
Em jogo também está a questão da sobrevida ou da própria eternidade. Mas não se trata aqui de uma eternidade metafísica, e sim da projeção de uma idéia que tem fascinado o homem através dos tempos, idéia que teria impulsionado o personagem Morel em sua invenção maravilhosa e terrível. A fábula explora um ângulo fenomenológico da experiência da imortalidade, que quase sempre tem sido abordada com visada mística ou filosófica. Os personagens em cena se opõem à realidade que estariam manifestando pelo simples fatos de não serem senão espectros de si mesmos. É fascinante, porque é como um filme interferindo no roteiro de outro filme. Mais do que simplesmente descrever os fenômenos (o que Casares faz com perfeição e apelo para o leitor), o livro capta o que se poderia chamar a insustentável leveza da ilusão, parafraseando Kundera, e todo o sofrimento humano que ela implica.
O prólogo é de Borges e o posfácio de Otto Maria Carpeaux dão o toque especial a esse primeiro volume da coleção Prosa do Observatório, coordenada pelo escritor e teórico de literatura Davi Arrigucci Jr.
Obs: Imagem enviada pela autora.