domingo, 24 de julho de 2011

INTELIGÊNCIA, SABEDORIA E BONDADE


Padre Beto


Um discípulo aproximou-se de seu mestre e perguntou: "Lendo as Sagradas Escrituras, me dá a impressão que nos tempos passados as pessoas podiam encontrar-se diretamente com Deus. Por que nós hoje não conseguimos ouvi-lo tão claramente? Por que não conseguimos mais fazer uma experiência tão direta com Deus?" O mestre pensou um pouco e disse: "Talvez, por que hoje ninguém possui a disposição de curvar-se o suficiente!"

Segundo a teologia cristã, Deus se revela na história humana em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Muito já foi escrito sobre o mistério da Santíssima Trindade, sobre a comum unidade deste Deus único que se manifesta em três pessoas. Porém, uma das reflexões mais interessantes encontra-se na teologia de Pedro Abelardo. Para o filósofo medieval, cada uma destas pessoas da Santíssima Trindade representa um atributo divino. O Pai corresponde à potência, a força que cria e gera a vida. O Filho representa a sabedoria, a Palavra de Deus encarnada, vivida, transformada em experiência visível. O Espírito Santo, por sua vez, apresenta-se como a bondade, o espírito que nos torna capazes de fazermos a experiência do amor, da doação, da compreensão verdadeira do outro e de todo o universo. Compreendendo a Trindade desta forma, encontramos um caminho de sintonia com Deus que se desenvolve não através de uma simples mentalização, mas principalmente de uma possível experiência vivencial. Alcançar uma sinergia com Deus significa aprofundar os atributos divinos que encontramos em nosso próprio ser. Nós fazemos uma verdadeira experiência de Deus a partir do momento que intensificamos nossa potência, preenchemos nossa existência através de uma vida de sabedoria e em nossos relacionamentos desenvolvemos a concreta bondade.

O encontro com Deus se realiza primeiramente quando o ser humano é sensível o suficiente para sentir dentro de si mesmo o pulsar da vida. Todo ser humano possui em si uma força criadora e criativa, através da qual não somente a sobrevivência torna-se possível, mas a transformação, a expansão e o desenvolvimento da vida. Esta potência vital se desdobra nas mais diversas capacidades que o ser humano descobre dentro si, potencialidades estas que o fazem capaz de imaginar um mundo feliz concretizando-o através de seus atos. Aristóteles já afirmava que a felicidade é o objetivo da potência que nos movimenta, de nossa força vital. O encontro com Deus se realiza concretamente, quando o ser humano torna-se consciente de seus dons e, sem medo, deixa-os fluir em puro desenvolvimento. Quando deixamos de sentir medo da vida e abandonamos a falsa modéstia acreditando em nossa criatividade e em nossa capacidade de realizar, nos aproximamos de Deus-Pai. "Uma chama poderosa seguiu-se a uma pequena faísca" (Dante Alighieri).

Ao mesmo tempo nos aproximamos de Deus quando aprendemos a administrar nossa força vital e nossas capacidades, ou seja, quando buscamos uma vida de sabedoria. Em outras palavras, o ser humano caminha em direção da satisfação de viver a partir do momento que aprende a utilizar um dos maiores dons que possui: a inteligência. A sabedoria implica o uso de nossa capacidade racional desenvolvendo-a em duas dimensões. A primeira se constitui na busca de enriquecer nossos conhecimentos, ou seja, na consciente busca da verdade das coisas e da vida (bios theoretikós ou vita contemplativa). Para esta dimensão é necessário que possamos rapidamente adquirir um hábito muito simples: a leitura. Desligar a televisão e abrir um livro. O segundo caminho para o uso da atividade racional é a análise de nossas experiências de vida transformando-as concretamente para melhor (bios praktikós ou vita activa). No final de cada dia, deveríamos nos esforçar em fazer um balanço crítico de nossos atos: qual foi o resultado deste dia, o que realizamos de bom, o devemos fazer para que o dia de amanhã seja melhor que o dia de hoje. Pertence a este exercício da inteligência a administração de nossa força vital compreendendo quando devemos descansar e quando devemos realmente entrar em ação. "A verdade é o melhor solo sobre o qual a beleza pode germinar" (Christopher Morley).

Por fim, nos aproximamos de Deus quando cultivamos em nós a bondade, ou seja, quando colocamos nossa força vital e nossas potencialidades a serviço de nossos semelhantes e do bem comum. Bondade significa em última instância ser pelo desenvolvimento da vida. Nela está implícito a compreensão de que encontramos verdadeiramente o sabor de viver quando fazemos algo de concreto para que outras pessoas possam caminhar em busca de sua felicidade. "Parece-me que o bom cidadão deve preferir as palavras que salvam às palavras que agradam" (Demóstenes).

A experiência de Deus é algo muito concreto e depende de nossa capacidade de "curvar-se", de olhar para dentro de nós mesmos: a consciência de nossa verdadeira força vital, o desenvolvimento de nossas potencialidades, a boa administração de nosso tempo e a bondade através de nossos atos. "O homem é absurdo por aquilo que busca, grande por aquilo que encontra" (Paul Valéry).