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“Quem nunca teve um animal, desconhece as
doçuras do mundo”
(Clarice Lispector)
Luciana amava os animais desde criança, convivendo harmoniosamente com eles. Aos sete anos, visitando sua madrinha, ao ver Alpho, um belo cão preso no quintal, não se conteve e correu para abraçá-lo e, antes que alguém pudesse detê-la, gritava com o rosto sangrando. Fora o seu primeiro beijo. A marca permaneceu para sempre e não lhe causou nenhum trauma.
Quando se apaixonou pra valer, o presente do amado foi uma cadela da raça “bassé”, Champanhota, que acompanhou por muito tempo o casal. Ao nascer a primeira filha a cadela encantou-se deixando os filhotes. As crianças viviam entre cães, gatos e passarinhos. Todos tinham nome de gente, Luciana não os diferenciava dos humanos. Costumava dizer, quando a criticavam, que casa sem bichos, era um deserto. Entre eles, dois marcaram forte a sua vida. Kelly, uma cadela de raça “pequinês”, acompanhou por dezessete anos o crescimento das crianças, convivendo com o seu mundo barulhento. A pequena cadela era possessiva, dominadora e ciumenta. Não aceitava provocações e vez por outra, pegava no pé de alguém. Todos a temiam. Luciana tentava acalmar a gritaria, dizendo que ela só agredia porque era provocada (às vezes, não, era ruinzinha mesmo). Quando se encantou o seu mundo ficou silencioso. Os filhos casaram, seguindo cada qual o seu rumo. A casa ficou vazia e ela muito triste. No seu aniversário, ganhou de presente uma linda cadela da raça “Cookie-Spaniel”. Deu-lhe o nome de Betina. Era a rainha da casa. Cresceu se parecendo com a dona, loura e elegante. É verdade, os animais parecem com os seus donos. Porque era agressiva e barulhenta, Luciana nunca soube explicar. A filha mais velha morria de ciúmes dela. O tempo passou e Betina foi envelhecendo, assim como os donos. Sentiu e ficou triste quando dois deles partiram para outra galáxia. A família encolheu. Na casa ficaram Luciana, Tereza e Betina. O mundo tornou-se menor, compacto, vivendo as três completamente sós.
Quando filhos, netos e amigos apareciam, Betina demonstrava a sua alegria latindo forte. Eles não entendiam essa demonstração de amor e ciúme. Luciana para acalmar os ânimos, deixava-a presa no quarto e como todo idoso ranzinza, ela reclamava, latindo mais e mais.
Acostumada ao silêncio e aconchego do apartamento, quando via o seu mundo invadido, protestava. Luciana envelhecia e cada vez mais se prendia à Betina. Desejava sair, passar uns tempos fora, mas o que fazer, ninguém queria ficar com ela e não tinha coragem de abandonar a velha amiga e companheira, da qual era objeto de adoração. Todas as vezes que entrava em casa era festejada com latidos e pulos de alegria. Quem seria capaz de uma manifestação dessas, a não ser um animal com muito amor e carinho?
Num dia de ventos frios e triste de agosto, Betina encantou-se deixando um enorme vazio. Lágrimas rolaram pelas faces de Luciana, ela e sua fiel amiga Tereza ficaram tristes e saudosas, guardando, porém no coração a doce, sincera e incondicional amizade que só um animal é capaz de oferecer. A vida é assim, no começo um mundo rico e povoado de gente e sonhos. Com tempo a solidão total, pois até a amiga Tereza, resolveu ir embora. Hoje, contra a vontade de todos, prepara-se para ter mais um amigo animal para lhe fazer companhia no inverno da vida.
(dedico esta Elegia ao poeta Marcus Accioly).
Recife/Ag/06.
Obs: Imagem enviada pela autora.