Vladimir Souza Carvalho *
A irmã mais velha pediu a outra, imediatamente mais nova [eram muitas] que dissesse ao rapaz da outra cidade, que, no Natal, vinha a Itabaiana, e, com ela trocava olhares, que não queria mais namorá-lo. O rapaz, da outra cidade, precisamente, de Frei Paulo, não se abalou. Achou a mensageira mais bonita e por ela se empolgou, em silêncio, porque, à época, era assim mesmo.
Meses depois, no sítio da mensageira, chegou o tio dele, do rapaz, num domingo à tarde, para conversar com o pai [da mensageira]. Conversa lá, conversa cá, o pai da mensageira perguntou, afinal, o que desejava. E o tio esclareceu que, em nome do sobrinho, filho de sua irmã, dona fulana de tal, cidadão de Frei Paulo, fazendeiro, estava ali para pedir a mão de sua filha em casamento. O pai da mensageira, cheio de filha em casa [só duas tinham casado, até então], perguntou qual delas. O tio não soube responder. Negócio não realizado. O pai da mensageira recusou-se a dar a mão de uma filha em casamento sem saber qual era. Não fechou o negócio. Deixou-o em suspenso. O tio voltaria depois com o nome dela, porque, também, não sabia.
No mesmo dia, foram reunidas todas, em fila, sem se saber quem seria a escolhida. A mensageira pode ter sentido alguma coisa no ar. Era a mãe, que, informada pelo marido, buscava saber qual a filha estava sendo pedida em casamento. Nada. Algumas semanas depois, tudo se revolveu. O rapaz de Frei Paulo teve seu pedido aceito. Alguns outros meses passaram-se, o rapaz de Frei Paulo, já noivo, casou-se e levou a mensageira para a sua terra, ali pertinho de Itabaiana. Quatro filhos. Viveram felizes o tempo que o destino aos dois reservou.
Depois de quatro filhos e um neto, precisamente, uma neta, ele morreu, de uma doença que vinha lhe derrubando há algum tempo Três meses depois ela, silenciosamente, com desculpa de problema de coração, encontrou motivo para seguir o mesmo caminho dele. Morreu também. De saudade, talvez, foi tão seguinte a morte da viúva que dava para desconfiar. Não ficou, ela, a morta, na mesma sepultura do marido, porque o tempo ainda não permitia. Passou a ser sua vizinha, tão perto, separados apenas por uma parede, fácil de ser ultrapassada pela alma/espírito. Devem estar felizes, juntos, outra vez, enfim, agora, sob o abraço da eternidade.
A história parece tirada das páginas de um livro. Mas é verdadeira. Ocorreu. É real e concreta. Posso dar meu testemunho. Numa época em que a moça casava com quinze ou dezesseis anos, os pedidos de casamento, muitas vezes, antecediam o namoro. Na família em tela o número de mulheres atingia exatamente a casa de nove. A mensageira de ontem, esposa depois, morta por fim, era minha tia, irmã de minha mãe. O registro feito é para homenagear uma bonita convivência, fruto de uma história de amor nascido de um recado dado numa feirinha de Natal, há muitos anos, em uma cidade sergipana chamada de Itabaiana.
Publicado no Diário de Pernambuco