domingo, 10 de julho de 2011

DIVAGAÇÕES SOBRE O DIABO E A DIABA

Vladimir Souza Carvalho *


          Diferentemente de Machado de Assis, a asseverar que o Diabo não é tão feio como se pinta, chego à conclusão que o Diabo é solteiro. Pode até ser viúvo, quem sabe lá. Mas é, antes e acima de tudo, um solitário, um ente desprovido de uma boa companhia para compartilhar do seu dia a dia doméstico e lhe oferecer os mimos e os refrigérios que a atuação, na administração do Inferno, não lhe permite desfrutar. A grande prova de ser o Diabo solteiro é a falta, na língua portuguesa, de um substantivo para indicar o feminino de Diabo. Não encontro nos dicionários, dos mais categorizados, encastelados em edições maçudas e pesadas, a palavra Diaba, como feminino do Diabo.

          Apesar de ser conhecido por vários nomes, como Peste, Belzebu, Satanás, Cão, só o último oferece, nos meus parcos conhecimentos, evidentemente, um feminino e assim mesmo emprestado: cachorra. Mas, sejamos justos com o Diabo, Cachorra não lhe é um feminino a altura de sua importância na história dos conhecimentos que os coevos nos transmitiram. Seria diminuir em demasia a provável (estamos trabalhando aqui no campo meramente da dedução) cara-metade do Satanás. Penso, não sei os gramáticos me acompanham, que Cachorra só serve para designar a fêmea do cachorro, como também, em tom pejorativo, a mulher considerada moralmente de péssimos hábitos e costumes. Não como há se utilizar de tal termo para batizar a mulher do Diabo.

          Acho que a falta de substantivo específico para crismar a mulher do Diabo é a grande resposta que a humanidade, desde os seus primórdios, deu, para se vingar dele e dos horrores do Inferno. Condenou-o a solidão como contraprestação pelo uso do fogo e do espeto quente para castigar aqueles que pela vida passaram com condutas reprováveis. Pode ser. Não afirmo com certeza. Um conhecido meu, ante uma série de doenças que acometeu um brabo chefe político, não lhe desejou a morte; ao contrário, queria que ele tivesse vida longa, para pagar, aqui, os pecados cometidos. No fundo, era uma forma de manifestar sua descrença no fogo dos Infernos, como se o Inferno não existisse e o Diabo fosse apenas uma figura que criaram para assustar as crianças. Sei não...

          De qualquer forma, um amigo, desses que só enxergam maldade em tudo, me levantou uma dúvida danada de pesada, na suposição – ele até pretende escrever um livro a respeito – que o Diabo, na verdade, não é um solitário por imposição da vida, mas por não gostar de mulher. Ou seja, o Diabo quebraria as asas, e, na insatisfação de sua vida, por não ter seduzido um anjo bom, para com ele conviver, se transformou, como vingança, num anjo maldito que foi expulso do Paraíso. Bom, aí eu me calo, me benzo, e, solenemente, com todas as vênias, dou a conversa por encerrada, afinal não sei, depois de morto, o que vai ocorrer e para onde possa eu, como alma ou espírito, ser conduzido.


Publicado no Diário de Pernambuco