Ina Melo
O verde predominava no sóbrio jardim. Pássaros pululavam de flor em flor, o perfume dos jasmins exalava no ar. À sombra do caramanchão, sentada com ar de extrema felicidade no rosto corado emoldurado por cabelos loiros, estava a mulher madura, tranqüila. Parecia dormir e sonhar. Qual pensamento a transportava àquele estado de paz e felicidade? De repente, algo se mexeu entre as folhas e belos olhos azuis abriram-se assustados. Lúcia, enfim despertara. Fixou o relógio, levantou-se e foi caminhando por entre os canteiros floridos.
Estava em Palermo, bairro nobre da capital Argentina. Escolhera esta velha e acolhedora mansão, em vez dos sofisticados e modernos hotéis. Ali iria permanecer um período trabalhando e pesquisando sobre o ícone: Evita Perón. Passava a maior parte do tempo, dividida entre visitas a bibliotecas e entrevistas, quase nada lhe sobrava para os prazeres pessoais.
Por várias vezes estivera na capital portenha, amava essa gente nostálgica e politizada. Tinha alguns amigos entre jornalistas e professores universitários. Mulher comprometida com o trabalho, quase não lhe sobrava tempo para aventuras turísticas. Ontem, foi diferente. Abriu uma exceção para uma noite de tangos no famoso bairro da Recolleta.
Valeu a pena, pensava Lúcia. Que belos e guapos homens! O charme feminino abriu-se-lhe como uma flor. Esqueceu os anos, sentindo-se ótima. Quando aceitou o convite para dançar com o alto e elegante cavalheiro de olhos e cabelos escuros, não pensou que seu corpo reagisse com tanta vibração há principio um pouco tímida, mal falava, apenas sorria. A conversa agradável, apesar do burburinho, transportava-a para um outro mundo longe de números estatísticos e histórias políticas. Ramon, o acompanhante eventual fazia um tipo leve e irreverente, bem diferente dos intelectuais sisudos e frios, com quem convivia desde a chegada na cidade.
Depois da meia-noite, o grupo se dispersou. Alguns insistiram para continuar em outras casas de tangos. Recusou. Preferiu ficar, enlevada pela música suave dos “bandoneons”, entre penumbras, deliciando-se com o saboroso vinho e o belo sorriso de novo amigo. Ela e Ramon continuaram abraçados ao som de românticos tangos que os transportava para um mundo mágico. Aos poucos foi se acostumando ao homem que cada vez a abraçava com mais vigor. Palavras loucas e “calientes”, sussurradas, muitas delas fortes e picantes num convite ao amor e ao pecado.
A mulher acordara e debaixo das sóbrias e vestes negras que envolviam seu copo, ardia de desejo. Fitava o homem e revia os muitos amores do passado que tantos desenganos lhe causaram Fechara-se para o sexo desde muito nova, transferindo sentimentos e paixões para o papel, criando belos e eróticos poemas.
Nada vivenciara. Os prazeres eram apenas produtos de uma fértil imaginação para fugir da realidade. Dessa vez, sentiu-se diferente. Os medos tomaram outros rumos. O amor, ponto infinito, qual estrela cadente estava cada vez mais longe do seu alcance. Mas a mulher, a fêmea, ali permanecia quente e ansiosa para a entrega. Sem pensar no ontem e muito menos no porvir. Aceitou os lábios quentes sugando os seus com ardor. Abraçados, seguiram pelas ruas iluminadas e alegres da avenida. Por coincidência ou armação do destino,estavam no mesmo hotel. Não houve conversas nem temores.Ramon deixou-a no apartamento e meia hora depois bateu levemente à porta. Despira a roupa sóbria e escura e com ar maroto de menino, com uma garrafa de champanhe na mão, abraçou-a com afeto.
Como não poderia deixar de ser, ao som nostálgico dos tangos invadindo o ambiente ela entregou-se com ardor pela primeira vez, sem pensar nas conseqüências, dando vazão às suas paixões e desejos. Foi uma longa noite de descobertas e prazeres. Acordaram tarde e depois do café a dois, Lúcia veio se refugiar no jardim. Estava leve e feliz ouvindo os acordes de tangos tristes e nostálgicos.
Obs: Imagem enviada pela autora.