Maria Inez do Espírito Santo
Hoje meu dia começou com a leitura do Roberto DaMatta no O Globo, falando de “Quando o Tempo Passa”. Bela crônica! E ele citava Herman Hupfeld dizendo das coisas fundamentais que ficam.
Pouco depois, abrindo minha caixa de correio eletrônico, encontro a mensagem do amigo petropolitano que diz que o Sr. Nelson, do Majórica, se foi.
Há dias vem nevando uma chuvinha preguiçosa, que tem o poder de me fazer lânguida... de uma sensibilidade que beira a tristeza, mas que quer ser só potencial de emoção encubada...
Vejo-me, então, menina, pedindo a meu pai que me traga, quando voltar pra casa, o doce do Basille. Este era o nome da maravilhosa confeitaria que ocupava o lugar onde depois surgiu o Majórica. Eram tempos de Avenida 15 de Novembro, ainda. Bons e saudosos tempos de uma Petrópolis quase ingênua! Talvez, já um tanto fora de foco, para os famosos veranistas de então, mas muito íntegra para nós que só queríamos crescer ali, entre seus verdes e seus azuis incomparáveis, conservando as bochechas rosadas pelo mesmo frio intenso que mantinha a cidade numa atmosfera tão conservadora, nem sempre tão saudável, reconheço.
Mas quando veio o Majórica se instalar no lugar do Basille, não foi possível reclamar a falta dos doces. Porque a qualidade de atendimento que o Seu Nelson imprimiu àquela casa, trouxe para nós um consolo compensador e para Petrópolis um lugar privilegiado. Sendo irmã das casas homônimas no Rio e em Friburgo, a Majórica de Petrópolis sempre se destacou como a melhor das três.
Verdade seja dita: gostando ou não gostando de churrascos, é impossível não gostar do Majórica! Tudo ali é perfeito: as carnes, os peixes, as batatas, as saladas, as bebidas, os profiteroles, até o mamão com sorvete de lá é o melhor de todos!
Falo com intimidade de quem viveu o Majórica como uma pensão familiar. Seu Nelson e sua equipe, competente sempre, mesmo com as renovações inevitáveis, através dos anos, foram testemunhas de meu primeiro namoro, de meu noivado, de meus casamentos, dos nascimentos de meus filhos, acompanharam suas adolescência e, recentemente, começaram a ver chegar meus primeiros netos.
Levar a netinha Antonia para almoçar e pedir a famosa cadeirinha de pernas altas, que permite à criança pequena compartilhar o alimento com os adultos, a mesma cadeirinha onde, há 27 anos sentava a Camila, minha filha caçula, é um ritual que se completa quando olho a Moça com o Cântaro ao Lado, no quadro da parede, e penso que ela assistiu a maior parte de minha vida, serenamente, como uma deusa que abençoa o momento sagrado da refeição, como de comunhão.
Esta provavelmente a essência do atendimento que o Seu Nelson soube transmitir a seus colaboradores. Almoçar ou jantar no Majórica não é só comer fora. Pelo contrário, é como que estender mais adiante a mesa da casa da gente. Basta estar sintonizado e a magia acontece.
Em algumas ocasiões, poucas felizmente, estando especialmente triste e solitária, fui sozinha almoçar no Majórica, buscando aquele lugar, como quem busca a antiga cozinha de nossos sonhos, onde uma boa mãe nos prepare nosso prato preferido, sem falar mais que o essencial para que nos sintamos confortados. E, naquelas ocasiões, saí dali renovada, alimentada de corpo e alma.
A última vez em que vi o Sr. Nelson era seu aniversário. Já adoentado, ele festejava ali, em sua casa, cercado na mesa pelos familiares e a volta por aqueles a quem dedicou grande parte de sua vida. Na conversa daquele dia, ele se lembrou de meu pai, Seu Delfim, o colega comerciante da antiga Casa Seabra. Falou dele com carinho e consideração incólumes, mesmo tendo passado já 22 anos que este se foi.
Penso que Delfim e Nelson e outros tantos de sua época, foram modelos de comerciantes que compreendiam o mistério do cuidar. Tinham tal zelo contínuo e atenção tão aguçada com o direito e a demanda do cliente, que o recebiam e o tratavam como hóspede, a quem se procura sempre oferecer o melhor.
Chove no Rio a tal chuva miúda que me faz de novo adolescente. E lá estou eu, transportada em espírito para Petrópolis, olhando de frente a Moça do Cântaro, esperando que ela me estenda, generosamente, um copo cheio do mais puro vinho, com que eu possa saudar a passagem de Nelson e seu encontro com Delfim:
- Minha gratidão a vocês, pelo Essencial, aquilo que sempre fica!