domingo, 24 de julho de 2011

DA TINTA E DO CABELO BRANCO

Vladimir Souza Carvalho *


          A evolução do mundo é realidade que já se transformou em chapa batida, de modo a tornar enfadonha sua reiteração, por já se constituir em algo que, de tão grandioso, dispensa explicações. As invenções – e aí eu chego ao cerne do problema – vêm batendo à porta de tudo, fazendo as coisas ficarem bem práticas. Uma ex-vizinha me dizia, há muitos anos, que tempo bom é o de hoje, quando não há mais necessidade de se tratar da carne, adquirida na feira, em postas especiais, banhando de sal e pendurando-as, na cozinha, em cordões, para o consumo durante o decorrer da semana. É um só exemplo, que, aliás, nem o meu é.

          Mas, o que me desperta no tema se prende a outros aspectos, bem distantes da cozinha. Vou localizá-los no banheiro, justamente no líquido ou gel usados para pintar o cabelo. Sim. Muitas vezes, o branco dos cabelos começa a incomodar, de maneira a recomendar o uso de um liquido a fim de o cabelo voltar a sua cor original. É esse liquido que intriga e se transforma em objeto de minhas reflexões, porque, verdade eu diga, ou verdade se diga, ainda não vi nenhum produzir êxito. Na minha modesta visão, o preto, que o uso desses preparados provoca, se apresenta com uma tonalidade diferente, que, a primeira vista, escancaradamente, já denota a artificialidade da cor.

          Às vezes, enseja uma visão conflituosa entre o rosto de uma pessoa de certa idade e o cabelo tão preto que parece graxa de sapato. E o que vem aumentar a dosagem, conferindo um certo tom ridículo (me perdoem, encarecidamente os que o utilizam) é que o cabelo não apresenta nenhum brilho, semelhando-se a uma peruca adquirida em barraca de feira.

          Sem condenar quem usa, em absoluto, as vaidades são pessoais e não coletivas, graças a Deus, o certo é que o cabelo pintado chama à atenção, permitindo a todos um julgamento rápido, porque o líquido, depois de assentado, pela falta de brilho, conduz a pesada verdade de se cuidar de cor artificial, como aquele vermelho que, nas pequenas oficinas de ponta de rua, há tantas décadas atrás, era usado para pintar velhos veículos. De longe ou de perto, a cor já se denunciava como inautêntica, a revelar que não era de fábrica.

          O fracasso da indústria, na impossibilidade de se encontrar o preto ideal, é tão gritante que se partiu para um líquido que amarela o cabelo, escondendo o branco, que a vaidade (cala-te, boca!) rejeita, na impossibilidade de se encontrar o preto ideal, real, verdadeiro, que não simbolize ser uma meia-sola desconjuntada.

          Não condeno quem usa um líquido para se aproximar do preto, nem quem prefere o amarelado, que, sem ter muita certeza, é chamado de caju. Gosto é gosto, como chita, ouvi muito na loja de tecidos de meu pai, em Itabaiana. De minha parte, acho o cabelo preto artificial um meio de esconder a verdade da idade que o branco reflete, como o caso daquela senhora, minha conhecida, que, quanto mais envelhecia, mais a idade diminuía, a ponto de ficar mais nova que o filho mais velho. Complicado, não?

          Mas, por falar em pintar cabelo, dois episódios verdadeiros. Um, de Zequinha das Sete Portas, um dos maiores filósofos da Itabaiana que ainda alcancei, pioneiro na arte de pintar os cabelos de preto. Quando adoeceu, impossibilitado de ir à rua, não encontrou mais ânimo para a pintura. Os amigos, que ao visitá-lo, voltavam chocados com o que viam, afirmando, alarmados, que a doença era tão braba que os cabelos de seu Zequinha já estavam brancos. Outro, do chefe (escondo o nome), adepto da pintura, na repartição. Um dos servidores, ao despachar com ele, notou algo diferente em seu cabelo, passando a focalizá-lo de forma estranha, até que esclareceu: Doutor, o senhor se esqueceu de pintar o cabelo atrás da orelha. Está todo branco.

          De minha parte, me acostumei à cor branca dos cabelos. Pelo menos, na fila, para ingressar em avião, tenho preferência, como integrante da classe dos idosos.


Publicado no Correio de Sergipe