domingo, 3 de julho de 2011

COGITANDO SOBRE AGOSTINHO DA SILVA



             o

Brasil e Portugal

por
J. A. Horta da Silva
(horta.silva@sapo.pt)



Ouvi pela primeira vez o nome de Agostinho da Silva no Parque do Itatiaia, no Brasil, onde pernoitei para descansar e admirar restos da Mata Atlântica que, bem mais a norte, coroaram de espanto os marinheiros de Cabral na sua chegada a terras de Vera Cruz. Grande parte da Mata Atlântica brasileira foi comida de uma forma predatória, desde os tempos da colonização. Mas o que mais me impressionou foi ter deparado com o nome de Agostinho da Silva, por força de me ter deslocado àquelas bandas para visitar as obras das barragens do Paraitinga e Paraibuna e respectivo transvaze construído, sob a forma de túnel, em meio geológico cativante do ponto e vista morfológico e petrográfico e preocupante do ponto de vista geotécnico.

Por essa altura, fiquei a saber que Agostinho da Silva, nascido no Porto (1906), era uma eminente figura das culturas portuguesa e brasileira que, por inerência a uma vida ascética induzida por razões endógenas e exógenas, emigrou para o Brasil, onde se fixou nos finais da II Guerra Mundial. A sua permanência no Brasil aparece ligada a um notável conjunto de eventos culturais, de onde se destacam a fundação do Instituto Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro, a estação ecológica do Parque do Itatiaia, a criação de universidades em regiões apartadas do progresso (Paraíba e Santa Catarina), o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses da Universidade de Brasília, o Centro de Estudos Africanos e Orientais na Baía, etc., tendo sido docente universitário, por exemplo no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Baia e Brasília e assessor de política cultural do Presidente Jânio Quadros. Insigne homem de letras, Agostinho licenciou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras do Porto com 20 valores (1928), doutorou-se com distinção na mesma universidade com a tese “O Sentido Histórico das Civilizações Clássicas” (1931) e fez a pós-graduação na Sorbonne com uma tese sobre Montaigne, tempo que lhe permitiu privar com exilados políticos entre os quais António Sérgio e Jaime Cortesão, que não deixaram de marcar o seu pensamento.

Contudo, só vim a conhecer melhor Agostinho da Silva quando, em 1990, ele e a RTP nos ofereceram o programa “Conversas Vadias”, não obstante o grande pensador Luso-Brasileiro ter sido condecorado pelo Presidente da Republica Portuguesa em 1987 com a Grã-Cruz da Ordem de Santiago da Espada e ter readquirido a cidadania portuguesa em 1992, à qual renunciara em 1958, ano em que se naturalizou brasileiro. Porém, é de estranhar que personalidades como a de Agostinho da Silva tivessem passado despercebidas durante anos. Citando Eduardo Lourenço, «Agostinho da Silva era a encarnação perfeita de uma existência transparente. Até o mínimo de comédia de que precisamos para representar no palco da vida era-lhe estranho» razão insuficiente, para justificar o ostracismo a que a memória sobrevivente o votou. Todavia, esquecidos que sejam os tempos das ditaduras do “Estado Novo” e “Militar Brasileira” é preciso ter em conta que os nascidos para ocupar lugar na eternidade cultural podem passar despercebidos à atenção dos devotos às engenharias e ciências, posicionados tão longe e tão perto do remate do círculo da intelectualidade, cujo fecho assume áreas do saber tão diferentes como as da filosofia e da física, ou da arte e da matemática, mesmo que se tenha em conta que algumas equações – que nos conduzem pelo espaço sideral ou por entre o ordenamento dos átomos na matéria cristalina – podem ser tão belas como um conjunto de páginas de excelente poesia ou como a materialização do fascínio em quadros de célebres pintores impressionistas.

Agostinho da Silva foi um marginal, pelo lado da perfeição, relativamente à curva de distribuição do comportamento humano e à capacidade de pensar e realizar. Os grandes místicos da história são excepções e a humanidade é tudo menos uma excepção. Todavia, não creio que existisse em Agostinho da Silva sombra de corrupção espiritual vertida em petulância, inteligência materializada em arte de sofismar, dignidade transformada em gesto teatral e até da crença derramada em ateísmo fútil e, por isso, ele atingiu a dimensão da transcendência, sem se confundir com S. Tomás, S.to Agostinho, S. Bernardo, S. Gregório, S.t a Teresa, Frei Luís e outros.

É pena que os actuais políticos portugueses não tenham um pouco das características de Agostinho da Silva.