domingo, 3 de julho de 2011

A ARTE DE ESPREMER DOS DADOS VERDADES CONVENIENTES


Betto Santos*


O IBGE divulgou recentemente os dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio). Em meio a esses números, se não analisarmos com atenção, perderemos o que de fato eles nos revelam. Muito disso, levados por uma mídia que pouco se preocupa em interpretação, apenas reproduzindo os dados estrategicamente colocados pelo IBGE. O ponto central da questão é o índice de Gini**. Ele diz respeito à desigualdade, medindo a diferença entre as rendas que remuneram o trabalho. Sendo assim, ele não leva em conta as rendas do capital, ou seja, lucro e juros. O conjunto dos estratos localizados mais próximos do topo da pirâmide social cada vez mais se afasta da condição de trabalho, aliando-se a outras formas de renda, sobretudo provenientes da posse da terra, de ações do mercado financeiro, de títulos, entre outras.

Seguindo essa lógica, podemos afirmar apenas que houve uma queda na desigualdade entre os assalariados. Essa desigualdade específica nem é de fato a mais relevante, já que a renda dos ricos se afasta cada vez mais da condição do trabalho. Não há números nem índices para mensurar a desigualdade entre todo o conjunto das rendas, apenas existem os que se limitam à desigualdade entre salários. Essa distinção para compreender a realidade da desigualdade social não é pequena. Se notarmos que em 1980 a participação do rendimento do trabalho na renda do País foi de 50%, e que em 2005 essa participação no rendimento nacional caiu para 39,1%, entenderemos o quanto a renda dos proprietários (juros, lucros, aluguéis de imóveis) cresceu mais rapidamente que a variação da renda nacional e, por conseqüência, do próprio rendimento do trabalho.

Por conseguinte, a omissão do relevante desnível capital/trabalho nas análises dos dados da Pnad cria um viés crasso. Se basear nesses números e afirmar que o Brasil vem diminuindo a desigualdade é, minimamente, uma meia verdade. O que também vale por uma meia mentira.




**Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a renda de todos os indivíduos tem o mesmo valor), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula).