Padre Beto
Uma amendoeira crescia esplêndida e suntuosa. Orgulhosa de si mesma, a árvore contemplava diariamente seus galhos e suas folhas. Um certo dia, um pequeno pássaro pousou em um de seus galhos e colocou seu ouvido no tronco da amendoeira constatando a existência de alguns vermes. O pequeno pássaro, então, fez um furo na grande árvore e começou a retirar os vermes que encontrava. A amendoeira ficou extremamente irritada, pois aquele mísero pássaro estava estragando a superfície lisa de seu tronco. Além do mais, o pássaro não se relacionava bem com os papagaios coloridos que davam um tom exótico aos galhos da amendoeira. Assim, a suntuosa árvore expulsou o pequeno pássaro. Os vermes foram crescendo, procriando dentro da amendoeira e formando uma enorme legião. Lentamente devoraram o interior da grande árvore que um dia foi derrubada por uma ventania.
A pessoa humana, segundo Johann Gottlieb Fichte, vive e se desenvolve em um constante caminhar dialético. Ao olhar para si mesmo, todo ser humano pode constatar aquilo que é no momento e como está sua vida. Através deste olhar encontramos um determinado conteúdo, certos aspectos que compõem, no agora, o nosso eu e a nossa existência. Desta forma, podemos sempre categorizar e valorar a "fase" em que vivemos, ou seja, o resultado da soma de diversas dimensões: vida pessoal, profissão, relacionamentos, etc. Porém, neste exercício de auto-análise sobre a vida, a pessoa humana pode também constatar aquilo que ela não é e a situação na qual não está. Em outras palavras, o conteúdo de nosso ser e de nosso existir pode nos mostrar também aquilo que nos falta. A constatação do "não-ser" pode ser amarga, mas nos leva a perceber a importância daquilo que é ausente. Justamente a falta de alguma coisa ou de alguém, nos leva ao reconhecimento do verdadeiro valor desta coisa ou deste alguém. O preso conhece o significado da liberdade e o doente compreende o significado da saúde. Sem dúvida alguma, a percepção desta antítese da vida, ou seja, daquilo que não nos é oferecido, depende do grau de conhecimento e criticidade do ser humano e da insatisfação decorrente desta. Nós podemos, por exemplo, ter a sensação de estarmos satisfeitos, ao encontrarmos uma justificativa que nos obrigue a aceitar a vida como ela, no momento, se encontra. "Foi Deus que quis assim", "este é o meu destino", "a vida é assim", "eu tenho que carregar esta cruz", são frases que expressam a necessidade de uma explicação "lógica", como também de consolo, para situações que não nos satisfazem. Nós podemos também nos acomodar com a atual situação da vida, por não sabermos o que podemos alcançar, o que nos é de direito ou o que a vida pode nos oferecer. "Ninguém sabe o bastante para ser um pessimista" (Norman Cousins).
Por fim, a dialética da vida humana se completa com a síntese da tese com a antítese, ou seja, do conteúdo atual da vida com sua falta. Na relação do "ser" com o "não-ser" vamos em busca de um ser completo, de um ser realizado, de um ser absoluto. Por isso estamos em constante transcendência em busca de completarmos aquilo que somos e realizarmos aquilo que nos falta. Esta transcendência é possível graças à fusão entre a constatação daquilo que alcançamos, daquilo que somos, e o reconhecimento da imperfeição, do não-ser. Por isso sentir-nos realmente incompletos, não satisfeitos, não integrados em nossa atual realidade não significa necessariamente algo negativo. Pelo contrário, a visão de nossa imperfeição é a possibilidade de mudança, a oportunidade para a transformação. Afinal, nós, seres humanos, não somos como os animais que vivem em pura harmonia com seu habitar, mas peregrinos, andarilhos, que estão em constante busca da casa, da harmonia, em outras palavras, do ser em sua completude. Nós podemos nos perceber assim, porque somos capazes de ver o que realizamos até agora, mas também porque somos capazes de constatar o que ainda não fizemos. Na constatação daquilo que não sou, é possível a minha transcendência, uma significativa transformação. "Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância" (Sócrates).
Não viver a dialética do "ser e não-ser" significa viver na ilusão de ser perfeito ou na condenação do não-ser. Assumir a dialética da vida significa abrir os olhos para as lacunas de nossa sociedade, para a situação de injustiça social, para as falhas da democracia e os mecanismos destrutivos da economia. Viver na dialética da vida significa estar sempre aberto para o indeterminado, para a surpresa, se aventurando diariamente na construção daquilo que desejamos ser. Viver na dialética do "ser e não-ser" é assumir que não existe uma antropologia, mas uma "antropogênese". Em outras palavras, não existe o ser humano acabado e condenado. Na dinâmica da vida, o ser humano se forma e se trans-forma criando a si próprio e ao mundo. "Para ensinar há uma formalidade a cumprir. Saber" (Eça de Queiroz).