domingo, 26 de junho de 2011

COISAS DE GENTE


Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/


          Quando o homem morre e deixa filhos, a mãe abre os braços para acolhe-los. Quando a mulher morre, o pai abre os olhos para ver aonde vai deixa-los.
          Dizem que a alegria de uma casa é uma criança, mas eu acho que é uma empregada.
          No final de semana chegam os filhos, noras, genros e netos.
          Ao vê-los, a avó se queixa:
          - Valha-me Deus!
          - Trouxemos a babá.
          - Graças a Deus!
          Quanto ao cachorro, para ele são todos os carinhos, os nhenhenhens. É cosquinha na barriga, é cheiro nas orelhas fedidas. Agora, vá a gente deitar no chão e esperar que alguém venha fazer cosquinhas. Se não morrer pisada, corre o risco de ir para o hospício.
          Tem mais regalias do que qualquer um, nós, míseros seres humanos. Sai, todos os dias, para tomar banho de sol, namorar e desistir do que comeu e bebeu. Tem motorista e babá, veterinário e cozinheira. Come na hora certa, toma banho com xampu especial – mais caro do que o meu – é vacinado, escovado e lavado. Há uma grande preocupação em se saber se ele já cruzou, enquanto a dona é descruzada invicta. Em suma, é a alegria da casa. Todos vivem em função dele.
          Dizem que o amor mais desprendido do mundo é o da mãe pelos filhos. É nada! É o do dono pelo seu cachorro. A ele tudo se dá: amor, atenção, carinho, mesmo sabendo que ele não tem herança para deixar, nem casa na praia, nem na granja, não tem dinheiro no banco, não faz testamento. O que tem, deixa em vida pra gente limpar.
          Na outra encarnação, quero voltar cachorro, de preferência vira-lata, pois o vira-lata é livre para andar na rua, é amigo do dono do açougue, apesar das porradas que leva, come comida de verdade, não toma banho, tem umas pulguinhas para se distrair, não toma vacina, trepa quando tem vontade e não está nem aí para os falatórios.
          Se eu não puder voltar cachorro que pelo menos venha latindo, pois, segungo Exupéry, a linguagem é uma fonte de mal-entendidos. O cão é o melhor amigo do homem porque não fala e nem se preocupa com o que escuta.
          E a velhinha, como é tratada? Ri quando lhe dizem que está na melhor idade. Ela sabe: é a melhor para morrer. Passa o dia inteiro sentada, porque já não pode andar. Tem artrose, artrite e desprezo. Sentada na cadeira, cheia de dores, fede a mijo, come e dorme quando os outros querem.
          Bem feito, quem mandou não nascer cachorro?


Obs: Texto retirado do livro da autora – Deixe de ser besta -