segunda-feira, 2 de maio de 2011
MORRENDO DE SEDE DENTRO DO LAGO DE ÁGUA DOCE
Edilberto Sena *
edilrural@gmail.com
Quase inacreditável, difícil mesmo de se entender esse tipo de problema. Dinheiro sobrando no cofre do Banco público e a produção familiar carecendo de recurso para aumentar e melhorar a qualidade de sua produção de alimentos, tão carentes na mesa da população. Para tentar ao menos entender as causas desse problema vai acontecer nestes dias em Santarém, um debate sobre agricultura familiar e os recursos que sobram nos bancos para financiamento. Por que está sobrando dinheiro liberado pelo governo federal para a agricultura familiar? Não pode ser porque veio em abundância. Nem pode ser porque o produtor familiar não tenha interesse, pelo contrário. Outro dia uma pessoa que trabalha com apicultura, foi a Banco da Amazônia para fazer um financiamento pelo Pronaf a fim de aumentar sua produção de mel. Lá, passaram a exigir documento de propriedade da terra, certidão de casamento, quantidade de colméias que já cultivava, quantos litros de mel colhia por ano e mais outros documentos. Ao final da entrevista, o funcionário do Banco despachou a esperançosa pessoa produtora de mel, dizendo que aquele tipo de empreendimento não podia receber financiamento do Pronaf por falta de alguns requisitos. No mesmo dia, um produtor de soja chegou ao mesmo funcionário e requereu financiamento de R$ 500.000,00 reais para comprar uma máquina colheitadeira de soja. Queria financiamento pelo FNO. Deu como garantia 600 hectares de soja já plantados. Em dois dias recebeu o financiamento e comprou sua máquina.
Neste encontro que vai acontecer, certamente o Banco dará complicadas explicações para a sobra de dinheiro e, se aquela pessoa comparecer e perguntar porque o sojeiro recebeu rápido financiamento e ela não, também o Banco dará explicações técnicas, que o pequeno produtor nunca vai aceitar como justas. Mas é assim que funciona o sistema, afinal, soja é commodity e gera dólares aos cofres do país, por causa do mercado internacional. A soja produzida na Amazônia não é industrializada e consumida na região, é tudo para o mercado chinês e europeu. Enquanto que a produção de mel não abastece nem o mercado regional. Os Bancos estatais deixaram de ser bancos de fomento e entraram na competição meramente comercial. Mas no encontro que vai ocorrer nestes dias, estarão também os órgãos de assistência técnica que certamente darão suas explicações para a fraca assistência que oferecem. Um não tem transporte, outro não tem combustível, outro ainda, não tem técnicos especializados e por isso, não prestam bom serviço. Só a Embrapa presta bom serviço de pesquisa, mas também só para a grande produção do agro negócio. Já as prefeituras que comparecerem terão suas desculpas. Não têm recursos para recuperar ramais, nem para tornar suas secretarias de agricultura eficientes. Não podem garantir nem preços rentáveis aos pequenos produtores. Assim, quando a safra de pupunha é grande, o preço fica aviltado; quando há boa safra de abacaxi, não há armazenamento adequado e se perde parte da produção.
E assim, de lágrima em lágrima, de desculpa em desculpa, sobra dinheiro no Banco e a agricultura familiar não melhora a renda do pequeno produtor. Mais um seminário vai acontecer, mais explicações serão dadas. Mas quem vai melhorar de vida é o fazendeiro e o plantador de soja para exportação. Os técnicos voltarão pra casa com a missão cumprida e relatório será apresentado a seus superiores, inclusive com lista cheia de assinaturas dos presentes ao encontro.
* Pároco diocesano e coordenador da Rádio Rural AM de Santarém.
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