domingo, 29 de maio de 2011

A DIVERSIDADE RECONCILIADA


Marcelo Barros(*)


Quando o presidente Obama foi à televisão se vangloriar de que tinha comandado o assassinato de Bin Laden, quando este, desarmado, via televisão em sua casa, um amigo evangélico norte-americano me contou que um pastor presidente de uma Igreja nos Estados Unidos manifestou-se pedindo do presidente uma ética diferente que respeite a sacralidade da vida e exija justiça, mas não vingança. Quando um assessor comunicou ao presidente esta reação do pastor, este respondeu:

- Esta declaração não terá repercussão porque estes pastores não se entendem entre si. Eu me preocuparia se, ao menos, várias Igrejas se unissem e juntas fizessem um pronunciamento neste sentido. Como isso é impossível, podemos continuar dando as cartas.

Para mostrar que o diálogo e a unidade entre as diferentes Igrejas é possível e é importante como profecia para o mundo, a cada ano, várias Igrejas consagram uma semana à oração e ao diálogo pela unidade dos cristãos. No hemisfério sul, este ano, isso ocorrerá nesta próxima semana e contará com cultos ecumênicos, encontros de oração e iniciativas de diálogo entre as Igrejas. A cada ano, uma federação local de Igrejas escolhe um tema comum. Em geral, estes temas têm sido propostos por Igrejas do mundo dos pobres. Neste ano, o tema escolhido vem da descrição que a Bíblia faz da primeira comunidade cristã em Jerusalém: "Unidos no ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2, 42). Mais do que uma descrição da realidade, a unidade da primeira comunidade cristã é uma proposta de vida e um objetivo a ser alcançado por todas as Igrejas. Sempre que se conseguiu atingir este ideal, foi em meio à grande diversidade de culturas e de formas de expressar a fé. No tempo do Novo Testamento, uma parte das comunidades cristãs era de pessoas vindas do Judaísmo, marcadas pela espiritualidade e pela tradição judaica. Na mesma comunidade, havia irmãos e irmãs convertidos de cultos orientais e do mundo cultural grego. Outros grupos internos se diziam discípulos de João Batista, o profeta. Mesmo a partir desta grande diversidade cultural e teológica, havia uma unidade de fé e ação. Isso não foi alcançado através de uma estrutura hierárquica rígida. A organização centralizada cria uniformidade. É unidade de forma, mas não de espírito e de fé. As comunidades dos primeiros séculos não caíram também na tentação do dogmatismo que confunde a fé com as expressões e formulações das quais esta se reveste nas diferentes culturas. Ninguém condenou quem não pensava como a maioria. As cartas de Paulo contém uma teologia e propõem um tipo de espiritualidade. A carta de Tiago contém uma interpretação da fé diversa de Paulo. O evangelho de Mateus dá um testemunho sobre Jesus diferente do que nos é dado em Lucas e João. Esta diversidade não impediu a unidade de fé, nem o diálogo entre as comunidades. Conforme o livro dos Atos dos Apóstolos, esta unidade deve se basear no ensinamento que os discípulos receberam de Jesus, na comunhão da vida, na repartição do alimento e nas orações em comum.

Este ensinamento dos apóstolos sobre o qual se firma a unidade é o testemunho do projeto divino que Jesus trouxe para o mundo. Este projeto se concretiza através do testemunho dos irmãos e irmãs que viram Jesus ressuscitado, presente na comunidade (koinonia) e na solidariedade. O mais importante sinal desta presença divina é a “partilha do pão”, que, hoje, as Igrejas chamam de “ceia do Senhor” ou de “eucaristia”.

Infelizmente, ao se adaptarem às culturas religiosas do Império Romano, as Igrejas se tornaram menos comunidades locais como eram no início e reforçaram mais o aspecto cultual do que o elemento comunitário e social que, nos primeiros séculos, as tinha caracterizado. Hoje, “unir-se em torno do ensinamento dos apóstolos” chama as Igrejas a se constituírem como Igrejas pascais, abertas à missão e capazes de dialogar com o mundo atual. A comunhão fraterna e a repartição do pão recordam que a vocação da Igreja cristã é ser profecia de um mundo novo e de partilha.

Quem vê as Igrejas divididas pode não se dar conta de como esta divisão testemunha contra o projeto divino de ver a humanidade como uma só irmandade. A unidade dos cristãos não é um projeto apenas eclesiástico. Deseja unir as comunidades que crêem em Cristo no serviço solidário para construirmos juntos um mundo de comunhão e de paz. Afinal, segundo o evangelho, na véspera de sua paixão, Jesus orou ao Pai: “que todas as pessoas que crêem em mim sejam unidas, como eu e Tu somos Um, para que o mundo possa crer que tu me enviaste” (Jo 17, 19).


(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.