D. Demétrio Valentini *
Neste final de semana terminam os quarenta dias da quaresma, e se conclui a campanha da fraternidade. Ambas cumprem a missão de nos conduzir à Semana Santa, para celebrar o mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo.
À luz deste mistério, encontram guarida todas as situações humanas. Também aquelas que se apresentam despidas de sentido, marcadas pelo absurdo, produzidas pela maldade, ou assinaladas pela tragédia. Inclusive as que trazem a fatalidade da morte.
Em Cristo, toda realidade encontra ressonância. Pois ele assumiu radicalmente toda a tragédia humana, não se eximindo nem da morte. Aceitou-a livremente, e como Filho de Deus por sua paixão completou a encarnação. Assumiu por inteiro a humanidade, marcada pelo pecado e atingida pela morte. Transformou esta realidade de tragédia em caminho de vida nova, pela força de sua ressurreição.
Nada que existe de humano é alheio a Cristo. Por isto ele é “o Salvador que nos convinha”. O conforto maior que toda pessoa humana pode ter, diante do sofrimento que a atinge, é dar-se conta que o próprio Cristo viveu o mesmo drama, com o agravante de ter sido injustamente condenado à morte.
Este ano foi pródigo de situações dramáticas, que atingiram violentamente tantas pessoas. Com o respeito que todo drama humano merece, enquanto contemplamos o Cristo na cruz, podemos trazer à memória tantas vitimas, fruto de acontecimentos dramáticos, como os deslizamentos na serra do Rio de Janeiro as enchentes em tantos lugares do Brasil, o terremoto no Japão com as conseqüências trágicas que ele trouxe. E sobretudo ainda estamos perplexos diante do massacre de crianças inocentes na escola, no Rio de janeiro.
Neste ano vai ser densa a celebração do mistério pascal de Cristo, com a evocação de todos estes acontecimentos. Pela contemplação do Cristo na cruz, respeitamos o sofrimento humano, vivido por ele, vivido também por nós, que somos chamados a “completar os nós o que falta à paixão de Cristo”, como nos ensina São Paulo.
Mas a celebração do mistério pascal não nos deixa só extasiados diante da cruz. Ele nos acorda e nos impulsiona para fazermos dos sofrimentos humanos motivo de nosso amor e de nossa solidariedade. Impulsionados pela força da ressurreição do Senhor, somos desafiados a traduzir em gestos concretos de solidariedade os apelos de amor que sentimos dentro de nós.
Desta maneira, é muito providencial, nesse final de semana, traduzir a Campanha da Fraternidade em “coleta da solidariedade”. Seu resultado será destinado à sustentação dos inúmeros projetos sociais, em favor dos mais pobres e mais fracos. Bom seria se nossos olhos se abrissem para perceber quantas iniciativas sociais são mantidas pela Igreja no Brasil. Se em cada celebração se apresentasse a lista dos projetos existentes na diocese, com certeza daria uma boa ladainha de iniciativas que aguardam nossa colaboração.
Seja como for a oferta, ela deve decorrer da constatação de quanto Cristo nos ama, e assume o mistério de nossa vida, para associá-lo ao mistério de sua ressurreição.
Organizando nossa solidariedade, superamos a perplexidade que as emergências costumam produzir, e tornamos nossa ação mais adequada e oportuna.
Os pobres agradecem, e Cristo nos garante a recompensa.
Jales: uma cidade em busca de sua vocação
D. Demétrio Valentini
A cidade de Jales está completando 70 anos. O número postula logo uma comparação. No ano passado a Diocese que leva seu nome completou 50 anos.
Fazendo as contas, isto significa que aos 19 anos de idade, a jovem cidade já era sede de Diocese. E sua pequena igreja, com feições de capela rural, assumia ares de catedral.
Desde então a cidade de Jales é desafiada a comportar dentro de si mesma duas referências.
Uma referência interna, para medir sua realidade como sede municipal.
Outra referência externa, para evocar a incumbência que a cidade recebeu, de carimbar com sua identidade uma constelação de 46 municípios, que possuem em comum o mesmo nome que os projeta a nível regional e nacional. Juntos, formam a Diocese de Jales!
Deixados, cada qual, no seu tamanho, os municípios quase desaparecem, no anonimato de sua história e de sua realidade singular.
Mas assumindo o nome de Jales, ganham relevo, e passam a compor um conjunto definido e consistente, com identidade geográfica e histórica bem reconhecida e propagada.
Jales empresta importância aos municípios que gravitam ao seu redor, atraídos pelos laços que os congregam na diocese que leva o seu nome.
Por sua vez, os municípios que compõem o território da diocese conferem à cidade de Jales um privilégio e uma qualificação, que coloca a cidade no contexto dos centros urbanos que trazem a marca da vocação regional.
E´ com estas referências que a cidade de Jales precisa se pensar a si própria. Sua identidade não se limita ao que ela é. Ela integra a identidade dos municípios que a circundam.
Jales nasceu com vocação regional. Ela precisa, com urgência, retomar esta vocação, e mostrar-se apta a cumprir a missão que a história lhe conferiu.
`As vezes parece que Jales esqueceu do seu destino, e se fecha em questiúnculas de pequena vila. Ao passo que sua vocação requer grandeza de ânimo, e contínua interação com a região que ela representa.
Ela é chamada a conferir grandeza e importância aos municípios que se ligam a ela como sede de Diocese. Ao mesmo tempo, Jales precisa valorizar a importância dos outros municípios, integrando o que eles têm para oferecer.
Até na identificação geográfica, Jales depende da realidade regional. Nas viagens que por dever de ofício me incumbe fazer pelo mundo a fora, é quase fatal a pergunta que já imagino com antecipação:
- Adonde es Jales?
Para satisfazer a curiosidade, é preciso fornecer uma referência ao mesmo tempo maior que Jales, mas de alguma maneira integrada na sua realidade. Para isto nada melhor do que responder dizendo:
- Es adonde impieza el Rio Paraná! A partir daí dá para navegar por outros detalhes.
Na verdade, o desafio para a cidade de Jales é saber onde ela começa, e onde ela termina. Vale dizer: qual sua vocação, e até onde vai sua missão!
Não há dúvida que ambas levam a marca regional, que precisa ser reconquistada com urgência.