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Depois que se está caindo de saber alguma coisa, torna-se cada vez mais indispensável mobilizar recursos que não se limitem a repetir números e teorias. Chegou a hora de tentar compreender.
Compreender é bem diferente de saber. Saber alguma coisa é sempre multidisciplinar, pressupõe uma atitude acadêmica e não abre mão de estatísticas e que tais. Saber é, por definição, eximir-se por abstração, tornar impessoal um fenômeno ou um feixe deles. Saber rende entrevistas, livros muito vendáveis, nomes em destaque, respeitabilidade e certo charme midiático. Saber é duro, frio e multifacetado como um labirinto em cujos corredores ninguém se perde, porque traz marcados os passos e aponta direções de forma nítida. Um labirinto sem Minotauro.
Compreender vem por outra via. Às vezes nem é a posteriori, como no caso do saber, é simultâneo. E é um labirinto passível de perdição. Pode inclusive dispensar os saberes, o que nem sempre é conveniente, mas pode. Compreender é, no primeiro momento, para uso interno, mas quase sempre mobiliza e frutifica em ações. Compreender é muito arriscado. Usando um exemplo concreto, é como um trem que descarrila e só se entende exatamente qual a razão encostando a cabeça no chão, ao lado dos dormentes, e vendo o ponto exato onde se deu o desencontro; passa-se o dedo no lugar do desnível e se percebe o grau do impacto, o jeito melhor de evitar que se repita e outros pequenos detalhes, partes de um todo que vão muito além do saber puro e simples.
Compreender não é respeitável no sentido oficial do termo. Compreender é querer ir adiante. Ter vontade de ser aquilo que se resolveu compreender. Estar ali presente, inteiro, e deixar desprotegido o coração. Compreender dispensa desdobramentos constrangedores, entrevistas de telejornal, depoimentos de pessoas na hora em que estão sofrendo; dispensa formulários e presença da mídia, porque acontece em silêncio, sem precisar exibir o óbvio nem repetir o que todo mundo vai perceber. Compreender é sempre pelos cinco sentidos, sem falar nos sete da sensibilidade mais fina. Por isso dispensa pronunciamentos oficiais e aguça a empatia, a intuição, o sentir com, o ver com olhos de ver.
Não é que o saber seja inútil. Longe disso. Mas ele vale muito mais, humanamente falando, quando ajuda a compreender, tem interesse e existe em função da compreensão. Há quem ignore isso. Há quem negue isso – e aí já entra a malícia humana – e finja se escandalizar com essa ideia. Mas é que sem a compreensão, o saber é quase nada na ordem natural das coisas, à qual pertencem o bem-estar, o desejo humano, a paz interior e outros bens infungíveis.
Saber que não visa compreender é como mudar de assunto quando não interessa continuar uma conversa. Saber assim produz apostilas, ensaios, monografias, livros e publicações especializadas; anais de congresso e seminários. Se ninguém no entanto precisar desses dados para compreender melhor alguma coisa ligada a gente, eles serão certamente consumidos pelo fogo frio da inutilidade que arde invisível em milhares de estantes, bibliotecas e depósitos de papel esquecidos pelo mundo. Um fogo cujas chamas podem congelar os que têm o saber como meta final e se encerram em uma crosta de arrogância e presunção que deixa o coração vazio.