Marcelo Barros(*)
O conceito de bem comum supõe uma sociedade organizada a partir do sentido de comunidade. Não há compreensão sobre bem comum onde não há comunidade. Em um mundo no qual cada pessoa existe apenas para si mesma, só há lugar para a propriedade privada, a competição e o mercado. Entretanto, já em 1854, um cacique dos índios Seattle escrevia ao presidente dos Estados Unidos : “Como se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho”.
Atualmente, no mundo inteiro, vários movimentos e organizações civis trabalham para que o Ar, a Água, a Saúde, o Conhecimento e a Energia renovável sejam considerados como bens comuns, patrimônio de todo ser vivo e dos quais a humanidade é guardiã e administradora, não para dilapidar, mas para partilhar com os outros seres de modo harmonioso e justo. Entretanto, esta compreensão tem encontrado barreiras nas legislações nacionais. A própria ONU tem encontrado dificuldades para aprovar uma carta dos direitos da Terra, da Água, do Ar e de outros recursos dados pelo Criador para uso comum da humanidade e de todo ser vivo. Se estes bens são necessários, indispensáveis e insubstituíveis para a vida de todas as pessoas, ninguém deveria ter o direito de se apropriar deles. Uma empresa pública faz o tratamento da água potável e a transporta à nossa casa. É justo pagar por este serviço, mas não pela água. Se um norte-americano se sente com direito de usar, em média, 44 litros de água por dia, enquanto a maioria dos africanos não tem acesso nem a um único litro, pode-se pedir que os maiores consumidores paguem pelo seu excesso, para custear o acesso a quem não pode ter nem o necessário. Mas, a quantidade mínima necessária às pessoas durante um dia seria garantida gratuitamente a todos. Do mesmo modo, a humanidade toda tem direito aos bens indispensáveis à vida. Uma Rede de organizações de solidariedade na Europa definiu: “Os bens comuns podem ser definidos como o conjunto de recursos, meios e práticas que permitem a um grupo se constituir como comunidade, capaz de assegurar a todos o direito a uma vida digna” (revista Nigrizia, gennaio 2011, p. 79). A partir deste critério, as organizações sociais podem lutar pela água como bem público, pela defesa da terra (biodiversidade, soberania alimentar), pela superação da dependência dos combustíveis fósseis, pelo livre acesso à comunicação, ao saber e à saúde. Esta compreensão e gestão dos bens comuns é incompatível com uma sociedade na qual o mercado é o ídolo absoluto da vida e tudo é considerado mercadoria e objeto de lucro. Todas as sociedades, mesmo as mais tradicionais, têm alguma forma de mercado, mas tudo não é mercadoria e, como diria Jesus, o mercado deve ser em função do ser humano e da sua vida e não tudo a serviço do mercado.
Apesar de que, no mundo inteiro, esta campanha por uma sociedade dos bens comuns tem crescido e se fortalecido, ainda não tomou no Brasil expressões muito visíveis. Ora, a Campanha da Fraternidade deste ano é justamente sobre o cuidado com a vida no planeta. Este trabalho em defesa da sustentabilidade supõe a compreensão de que formamos, como diz a “Carta da Terra”, uma “comunidade da vida”. O cacique Seattle que, no século XIX, escreveu ao presidente dos Estados Unidos, concluía sua carta, afirmando: “Ensinem as suas crianças o que ensinamos as nossas que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos. A terra não pertence ao homem. O ser humano pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo”.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.