Marcelo Barros(*)
Nestes dias, a piedade católica e a tradição do povo de várias regiões do Brasil se preparam para a Semana Santa com procissões penitenciais e com atos que recordam as dores de Jesus e de sua mãe Maria, a quem o povo gosta de chamar “Nossa Senhora das Dores”. Estas tradições religiosas vão além da Igreja Católica. Por exemplo, na América Latina, vários povos indígenas celebram nestes dias os sofrimentos e dores da Mãe Terra. Muitos destes costumes antigos foram incorporados nas práticas da Quaresma católica, agora dirigidas à mãe de Jesus.
Nos evangelhos, Jesus é chamado o Filho do Homem, expressão hebraica que significa “filho de Adão, o homem da terra”. Podemos dizer que Jesus se chamava o Filho da Terra. Isso coincide com a grande riqueza da tradição religiosa mariana que sempre viu em Nossa Senhora a imagem da Terra Mãe. O teólogo boliviano Victor Codina mostrou isso em um belo livro chamado “Teologia Simbólica da Terra”, traduzido para o português por Eduardo Sugizaki (Ed. Loyola, 1992).
Neste ano de 2011, esta associação entre Jesus Crucificado como filho da humanidade (Filho do Homem) e a Mãe das Dores como a Virgem Filha de Sião que simboliza e representa a terra deve ocupar mais ainda nossa atenção. Na Campanha da Fraternidade, a CNBB nos convida a contemplar a paixão de Jesus e de Maria como paixão e dores da mãe Terra, da água e de toda a criação que sofre dores de parto (Rm 8, 22).
As dores históricas de Jesus e de sua mãe Maria foram provocadas pelo sistema do mundo que não acolheu o projeto divino para esta Terra. Paulo escreveu aos coríntios: “os poderosos deste mundo crucificaram o Senhor da Glória” (1 Cor 2, 8). Nada da tese de Mel Gibson no triste filme A Paixão de Cristo que pretende culpar Deus, segundo ele, necessitado da morte do seu próprio Filho como preço para se reconciliar com a humanidade. A paixão de Jesus foi um assassinato perpetrado não por Deus, nem por algumas pessoas, mas por um sistema, o mesmo do desamor e da iniqüidade que hoje continua oprimindo a terra e ameaçando a vida do ser humano.
Hoje, temos assistido a muitos sofrimentos da humanidade e da mãe Terra. Há pouco, vimos como o Japão sofreu os horrores de um imenso terremoto e de um tsunami gigantesco e destruidor. O que aprendemos com isso foi ver que para construir nossas cidades e nossos progressos não podemos simplesmente ignorar os gemidos e ânsias da terra. Mas, a querida irmã budista, a Monja Cohen, testemunha sobre esta catástrofe como a espiritualidade budista foi capaz de ajudar o povo japonês a se organizar solidariamente, dar sua vaga uns para os outros, respeitar as prioridades e principalmente, manter em uma hora tão trágica a cortesia e a compaixão solidária. Isso supôs uma forte educação para lidar com uma tragédia como esta. Isso não se improvisa, mas não é fruto só da técnica. Pede espiritualidade e solidariedade humana. Nesta semana das dores de Jesus e de Maria, nos comprometamos a desenvolver na fé cristã ou em outra tradição espiritual este sentido da importância do outro e a tarefa do cuidado com a vida no planeta. Em nossas cidades, evitaríamos muitos problemas sociais e ecológicos se as pessoas se comprometessem com Deus e consigo mesmo a nunca mais jogar lixo na rua, nunca mais entupir os bueiros tão necessários para não poluir rios e não causar inundações. Um documento cristão do século II dizia assim: “Queres ver o teu Deus? Contempla uma flor, detém-te diante de um galho de árvore frondosa, levanta uma pedra ou toca na água de uma cachoeira e tu o descobrirás ali!”.
(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.