Marcelo Barros(*)
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(irmarcelobarros@uol.com.br)
“Ri melhor quem ri por último”, diz o povo. Os cristãos crêem que a ressurreição de Jesus é o ato pelo qual a vida vence a morte e o amor se revela mais forte do que todo poder do mundo. Antigos pais da Igreja grega diziam que a ressurreição é o riso divino sobre a maldade do mundo. A cultura ibérica que formou o Catolicismo na América Latina não favoreceu esta imagem de uma divindade alegre e bem-humorada. Ao contrário, as devoções são todas baseadas em imagens dolorosas e penitências sofridas. Já houve até quem escrevesse que os evangelhos mostram Jesus a chorar, mas nunca dizem que ele riu. Ao contrário, Luis Bunuel, no seu filme clássico La Voie Lactée, o mostra rindo e contando piada à mesa com os discípulos. Nisso, ele se assemelha ao Pai que, na Bíblia, pode ser visto como Deus que gosta de dança, da beleza da música e da arte (basta ver Prov 8, 22 e vários Salmos que incluem danças e cânticos de festa). Nos anos 70, Chico Buarque dizia que Deus é “um cara engraçado que gosta de brincadeira”. Já Woody Allen conclui que Deus tem grande senso de humor, mas quando olha o mundo como está, não encontra muitos motivos para rir.
Seja como for, Evangelho significa boa notícia de alegria. No Judaísmo, existe uma festa anual chamada “A Alegria da Lei”, na qual os rabinos e fiéis dançam com os textos sagrados nas mãos e bebem para comemorar a alegria da salvação. A festa da Páscoa e a celebração da ressurreição de Jesus são próprias do Cristianismo, mas antes mesmo da Bíblia ser escrita, no hemisfério norte, a primeira lua cheia da primavera era festejada com danças que imitavam a ressurreição da natureza que se renova (em hebraico, o nome para passo é Páscoa). Hoje, precisamos recuperar um estilo de fé alegre, confiante e otimista. Nossa confiança no futuro não vem tanto de uma fria análise da realidade que é cada vez mais complexa e dolorosa, mas de uma certeza de que somos chamados a fazer com que o amor vença as forças negativas do egoísmo, seja econômico, seja cultural e a vida triunfe sobre a morte em todos os seus aspectos.
Uma vez, nos anos 80, celebrei a Páscoa em meio ao sofrimento terrível de lavradores ameaçados de morte, por fazendeiros inescrupulosos e pistoleiros contratados para amedrontá-los. Estávamos cantando Aleluia e proclamávamos que se Jesus ressuscitou, o mundo ainda tem salvação. De repente, alguém gritou no meio do povo: “Como podemos cantar ressurreição e vida em meio a tanta dor e perigo de morte?”. Lembrei-me do salmo no qual os israelitas, escravos na Babilônia, se perguntavam: “Como cantar os cânticos do Senhor em uma terra de opressão?” (Sl 137). Respondi: “Cantamos ressurreição e vitória, não porque desconhecemos a cruz e a morte presentes atualmente neste mundo, mas porque cremos que a energia da ressurreição já está atuante em nossas dores e podemos, sim, retomar com mais força o projeto de vida em plenitude que a ressurreição de Jesus nos aponta”.
Hoje, a grande tentação é a do marasmo. Se olharmos em volta, podemos desanimar ao ver que ideologias sucumbiram, utopias parecem adormecidas e não se vê um projeto claro de futuro para o nosso país e para o mundo. A sociedade aparenta acomodamento e as organizações sociais se mostram fragmentadas. A celebração de uma nova primavera para as religiões e para o mundo sinalizam que mudar isso é possível. Para quem crê, a Bíblia aponta um projeto de transformação radical do mundo e de nós mesmos (“Venha a nós o teu Reino). A ressurreição de Jesus inaugura uma proposta ou projeto de vida nova para cada ser humano e para o mundo. Se abrimos os olhos e o coração, veremos que, mesmo em meio a muitas contradições, há alguns sinais de que algo novo está nascendo e crescendo. Os fóruns sociais, como encontros da humanidade revelam que o altermundialismo (“um novo mundo é possível!”), cada vez mais, se espalha mais pela humanidade. De países irmãos da América do Sul, o bolivarianismo nos chama a uma nova pátria grande e os povos indígenas, que pareciam vencidos, hoje tomam um protagonismo novo em todo o continente e com voz ativa na própria ONU. Mesmo se o Brasil ainda sobrevive sem um projeto social e político claro, a não ser um mero crescimento econômico, pouco atento à sustentabilidade da vida no planeta, precisamos retomar o diálogo da sociedade e dos grupos em função do que acreditamos e queremos para o nosso país. Para as Igrejas cristãs, é tempo de retomar a proposta dos bispos católicos, reunidos em Medellín, na Colômbia, em 1968: “Que se apresente em todo o continente o rosto de uma Igreja pobre, missionária e pascal (podemos compreender isso como uma Igreja que caminha e evolui aberta a mudanças); uma Igreja comprometida com a libertação de toda a humanidade e de todo ser humano em sua integridade” (Med 5, 15).