domingo, 10 de abril de 2011

INTOLERÂNCIA


(ou a vitória do pessimismo)
Zeca Paes Guedes


Existem coisas que, mesmo com algum desconforto, podemos tolerar, suportando a existência do outro e respeitando as diferenças que nos individualizam. Desde o início dos tempos, existe também o inverso: a intolerância, que anda de mãos dadas com a violência e que cresce assustadoramente à nossa volta, tornando-nos reféns passivos dela.

O século XX nos deu alguns exemplos de intolerância que acabaram provocando desastres, como o holocausto durante a II Guerra Mundial. Aqui já poderíamos perguntar como os mesmos indivíduos, amantes de arte e poesia, capazes de chorar quando ouviam Mozart, poderiam ser capazes de assassinar crianças sem a menor hesitação, apenas por serem judias? Como poderiam esses mesmos seres, em seus laboratórios, realizarem pesquisas monstruosas com outros seres humanos ou criarem formas de extermínio, como as câmaras de gás? Poderíamos também perguntar quem lhes deu o poder de que dispunham ou quem permitiu que o nazismo vencesse? Em qualquer canto do mundo existem Hitlers, mas por que alguns vencem e outros não? Seria talvez porque a mensagem do führer fosse diretamente de encontro aos desejos, idéias e sentimentos da multidão que o ouvia?

É por causa da intolerância, da discriminação, da tortura, que foi criada a Declaração Internacional dos Direitos Humanos em 1948, com o intuito de fornecer igualdade de condições de vida a todos os seres humanos. Mas não é o que acontece na prática, principalmente entre as autoridades constituídas, que continuam a tratar os pobres, marginalizados e despossuidos como seres perigosos, que devem ser excluídos da vida social. Muros, grades, condomínios, sistemas de segurança, shopping centers, tudo isso vem sendo construído para separar a elite, isolando-a das “classes perigosas”. A policia continua se utilizando da violência e da tortura, que são disfarçadamente tolerados pelas elites em função de uma ação de assepsia social. Ocorre uma espécie de “desumanização” em relação aos diferentes, aqui no Brasil representado pelos negros, homossexuais, mulheres, pobres, e outras minorias.

O Século XXI mostra que a longa lista de atos de violência, desde as Cruzadas, passando pelo extermínio dos primitivos habitantes do Novo Mundo, pelo terror da Santa Inquisição e, mais recente, pelo Holocausto dos Judeus ainda não está perto do fim, mas parece seguir um caminho próprio. A modernização abriu grandes possibilidades para a nova barbárie, pois o ser humano parece cada vez mais frio, mais desumanizado, “protegido” em seus “castelos”. Ainda “ontem” o 11 de setembro assustou o mundo ao esfregar em nossas caras como é fácil exterminar milhares de pessoas de uma única vez, colocando a suposta segurança moderna em cheque.

Após as lutas pela igualdade e fraternidade, após a independência dos países colonizados, após todo o progresso da ciência e da vida material no século XX, como podemos explicar o extermínio de pacíficas famílias, homossexuais, ciganos, deficientes físicos? Como os cidadãos civilizados do mundo foram incapazes de evitar o mal total, permanecendo silenciosos enquanto crianças eram asfixiadas em câmaras de gás? Os países aliados lutaram em busca da vitória na guerra contra os nazistas, mas não para evitar o massacre de milhões de seres humanos nos campos de concentração.

E esse silêncio que marcou a maioria dos seres humanos durante a Segunda Guerra Mundial é o mesmo que marca pais e educadores diante das faltas cometidas pelos filhos. É o silêncio que marca os cidadãos diante dos crimes cometidos pelos governantes, da tortura praticada pela polícia, do descaso com que é tratada a educação. E esse silêncio conjunto diante de todos esses descalabros é o responsável direto pela formação dos cidadãos – seres humanos – de amanhã. Talvez seja por isso que vemos por toda parte o crescimento da violência, que anda de mãos dadas com a intolerância.

A educação infantil está ficando nas mãos das babás e dos professores, embora a maioria dos pais não aceite castigos nem reclamações sobre as faltas cometidas pelos filhos. Mas repassam a responsabilidade pela educação e pela cultura das crianças, sem o menor constrangimento.

Não creio que estejamos preparados para vencer toda a insanidade que aponta em nosso futuro: o terrorismo, os fundamentalismos, as violências religiosas, as violências dos traficantes, as violências individuais e até mesmo a violência contra a natureza, capazes, todas elas, de destruir o ambiente ecológico que permitiu o aparecimento da vida neste planeta.

O progresso tecnológico cresce em proporção inversa ao progresso moral. Os sonhos são permanentemente destruídos pela crueldade que gira ao nosso redor. Somos todos reféns do terror.


Obs: Imagem enviada pelo autor