domingo, 10 de abril de 2011
A GRANDE VIAGEM DO PADRE JOSÉ COMBLIN
Maria Lioza de Araújo Correia
lioza.correia@gmail.com
Soubemos da morte do padre José Comblin acontecida em 27 de março de 2011, na cidade Barra-BA, onde estava radicado e colaborando com o bispo Dom Luiz Cápio, aquele que jejuou pela preservação do RIo São Francisco e contra a exploração indevida de suas águas pelos grandes proprietários e grandes industriais, em detrimento dos pequenos proprietários e das populações ribeirinhas que desse Rio tiram sua subsistência material ao longo dos anos e por isso dedicam ao "Velho Chico" um grande sentimento de irmandade e filiação.
Pois bem, voltando ao padre Comblin, tendo sabido que ele iria ser enterrado em Solânea-PB, local onde viveu algum tempo e onde vivenciou com os pobres o sofrimento de sua condição de excluídos e com os oprimidos pela ditadura militar ora vigente no Brasil, também a sua própria opressão, perseguição e expulsão do Brasil, nos dirigimos à Santa Fé, precisamente ao Santuário e à casa do Padre Ibiapina, localidade onde ele esteve em visita, há poucos dias antes de sua morte e onde marcou o espaço para seu repouso eterno, junto a duas mudas de pau-brasil, por ele ali plantadas naquela ocasião.
Ao chegarmos,à Santa Fé, já encontramos o Santuário completamente tomado pelos fiéis que se alternavam desde a noite anterior, rezando, cantando e até chorando diante do féretro aberto com o corpo do querido padre José, como era chamado pelos pobres, seus amigos do Nordeste a quem destinou seu trabalho e parte de sua vida, tendo expandido seu trabalho missionário, também, em outras regiões do Brasil e de alguns países onde se refugiou após sua expulsão do Brasil pela ditadura militar. Era tocante de se ver e ouvir aqueles rostos tristes e as vozes embargadas a entoarem os benditos e cantos próprios das exéquias, em memória do Padre Comblin.
Precisamente, às 15:00hs, saiu da casa do Padre Ibiapina o cortejo processional formado por vários bispos, inúmeros padres, seminaristas, diáconos, religiosas, em direção à frente do santuário, onde foi celebrada a missa de corpo presente. Ali a mutidão tomou todo o espaço disponível e as imediações, acomodando-se como podia para fugir do sol escaldante da tarde sertaneja . Foi uma celebração pungente de dor e saudade, mas onde reinava o clima de esperança e de ressurreição, qual uma verdadeira páscoa, que chegou para o Padre José Comblin.
Antes do início da celebração eucarística foi relatada toda a trajetória de vida religiosa do Padre Comblin, inclusive suas perseguições políticas e até religiosas, em face das posições por ele adotadas em defesa da Teologia da Libertação, da qual foi um dos teólogos mais estudiosos, dedicados e atuantes, tendo desenvolvido importante trabalho pastoral na zona rural de Pernambuco, com o apoio de alguns bispos, dentre eles, Dom Helder Câmara, que foi quem o convidou para aqui realizar sua missão pastoral.
Seguiu-se a chamada das representações ali presentes, destacando-se a da CNBB Nordeste 2 , bem como a leitura das inúmeras mensagens de bispos, padres, leigos brasileiros e até de outros países onde o Padre Comblin viveu. Dentre essas muitas mensagens, ouviu-se a do bispo Dom Pedro Casadáliga, e de outros bispos brasileiros e estrangeiros, sendo relevante, também, a presença de representantes vindos do Chile e do Equador, países onde viveu e trabalhou após sua expulsão do Brasil pela ditadura militar.
A missa em memória do Padre Comblin foi presidida pelo bispo de Guarabira e concelebrada pelos demais bispos e inúmeros padres presentes e participada por toda a multidão de pessoas que acorreram ao local, marcado pelo clima de oração e reverência, de muita consternação, mas também de muita esperança e sobretudo de ressurreição. Depois da missa foram lidas mais mensagens de condolências que iam chegando e cuja leitura se prolongou até a hora do enterro, às 19:30hs. Foi um dia memorável para os sertanejos e pobres do Nordeste, extensivo, também, para todas as pessoas que o conheceram e com ele conviveram, as quais guardarão na lembrança as lições de fé e vida, recebidas do Padre Comblin, bem como a lembrança da despedida solene e dolorosa, para todos os amigos e conhecidos que ali o acompanharam até a sua última morada.
Entretanto, é de lamentar-se o silêncio da Arquidiocese de Olinda e Recife, que não enviou um representante e nem sequer uma mensagem de condolências pela morte do Padre Comblin. Tal omissão soou inexplicável e injustificável, tendo em vista o serviço pastoral prestado por ele a convite do próprio Dom Helder de quem sempre mereceu todo apoio e reconhecimento, além de ter sido um teólogo cuja importância pode ser medida no legado teológico que deixou através do grande acervo dos livros que escreveu e da vida dedicada à conscientização dos pobres para a sua própria libertação, que se origina da fé no Evangelho de Jesus Cristo.
Ao padre Comblin, a nossa saudade e a paz merecida na volta à casa do Pai, ao encontro de Jesus Cristo!
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