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Há elementos no mundo para cujo conhecimento é necessário o estudo, a reflexão aprimorada, isto é, os pensamentos profundos... Esses são os elementos mais simples que existem, pois os mais complexos não são apreensíveis dessa forma. São vislumbrados pela entrega pessoal e irrestrita, pela proposta de viver a vida de forma tal que somente assim é que se poderá compreender do que se fala. São os elementos complexos de nossa existência.
A experiência com Cristo foge do seu simples entendimento. Assim, veja que Cristo é o que nos dá o caráter divino, pois desfruta das duas essências, quais sejam, a humana e a de Deus. Com efeito, é fácil dizer que Cristo é a Palavra e a carne (João 1,1;1,14), que Ele é Deus e é homem. O difícil é crer sinceramente nisso; é acreditar com todas as nossas forças; é imaginá-lo, concebê-lo, aceitá-lo; é fazer da simples palavra solta um fato na vida de cada um de nós. Facta non verba – Fatos, não palavras! – seria o que, em latim vulgar, a nossa alma diria a si mesma diante do problema.
Cristo é a resposta para os anseios de efetivação do projeto humano de sua própria superação, mas, ao mesmo tempo, reconhecer, neste ponto, que fácil é imaginar, conceber, aceitar a mediação entre o finito e o infinito, entre o efêmero e o eterno, entre o homem e Deus não é, em princípio, sob pena de indesejável concessão à inconsistência do raciocínio, tarefa simples, rudimentar.
A dificuldade de compreensão é aceitável, pois se trata de uma dualidade: Cristo é o mensageiro e a mensagem. Enquanto mensagem, manifesta-se além do tempo e do espaço, tornando-se, assim, onipresente, ubíquo, e, enquanto mensageiro, deve circunscrever-se a cada momento único e particular, a cada pensamento, por mais individual e secreto que seja.
A nossa dificuldade de aceitação é, portanto, decorrente do aparente paradoxo que aparece quando tentamos conciliar as características de Cristo enquanto processo, que flui, que é finito e temporal, e enquanto ser absoluto, que é imutável e jaz além do tempo e do espaço.
Há alguns caminhos para a aceitação de que, em um só ser, podem residir características tão distantes quanto as divinas e as humanas. Pode-se argumentar que não apenas se faz suficiente o entendimento intelectual da doutrina cristã para que se possa, por intermédio de tal viés, visualizar a ponte que liga o homem a Deus, a ponte que perpassa o despenhadeiro, tal como apresentada em Cristo é a ponte.
Seria, isso sim, indispensável que se vivenciasse ou, às vezes, se sofresse – sim, a palavra, em certas situações, é mesmo “sofrer”! – a doutrina com tamanha veemência que se poderia afirmar, sem os menores quês de dúvida, que a própria alma havia sido trocada, modificada. Dessa maneira, com esse arrebatamento interior se poderia conceber, mesmo que por um viés não racional, mas existencial, o significado de Cristo, o significado do mistério que consiste em conciliar Deus e homem em um só ser.
Neste ponto, repete-se, não se estará entendendo o Cristo no sentido mais simples da palavra, mas se estará, acima de tudo, experienciando a própria mediação, que nada mais é do que o mistério do Deus em corpo, em carne. Aqui, a face de Deus seria tocada e o homem já haveria se tornado, em Cristo, além-do-homem.
Aqui, na elaboração do conceito de Cristo tal como a personificação da mediação entre homem e Deus, jaz um dos pontos centrais do argumento: defende-se o propósito do Cristianismo – propósito este que se equipara aos de todas as manifestações enigmáticas da religião, das quais o Cristianismo é uma versão tardia e mais bem elaborada –, que é o de propor ao homem que, por meio da salvação de sua alma, ligue-se a Deus e, por intermédio de tal ligação, desfrute, em maior ou menor grau, das atribuições divinas, tornando-se, assim, alguém além das potencialidades humanas.
Note-se que Cristo é o caminho, como se disse, mas também é o exemplo, o modelo, no sentido de que é homem e Deus, situação a que, pela salvação, os humanos almejam para poderem superar a sua própria condição animalesca. Por meio de Cristo, o homem pode superar a condição humana e, para conseguir tal feito, há de seguir o caminho apontado por Ele – o caminho da busca da perfeição e da conquista diária de elementos da santidade –, tornando-se semelhante a Deus.
Diz-se, assim, que Cristo não é apenas aquele que aponta o caminho, mas é, em certo sentido, o próprio caminho. Não havemos de nos esquecer que conforme nos informou o evangelista João, Tomé certa vez disse a Jesus: “Senhor, nós não sabemos para onde vais, como podemos conhecer o caminho?”. Cristo, então, respondeu: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, senão por mim”.
Com efeito, o termo “Cristo”, em hebraico, quer dizer mensageiro, mas, como se sabe, aqui se fala de um tipo especial de mensageiro, pois Cristo também é a própria mensagem. É como se Ele fosse o cartógrafo e o próprio mapa, o sinal de trânsito e a própria estrada, a posologia na bula e o próprio remédio. Cristo, ao mostrar o caminho, mostra-se a si mesmo e os que aceitam o convite para seguir por Ele passam também a ser cada vez mais iguais a Ele e gradativamente se tornam, portanto, também mensageiros e mensagens de Cristo aqui na Terra.
(*) Tassos Lycurgo é Professor Adjunto da UFRN e Advogado (OAB/RN); É Doutor em Estudos Educacionais – Lógica (UFRN), com pós-doutorado em Sociologia Jurídica (UFPB); Mestre em Filosofia Analítica (University of Sussex, Reino Unido); Graduado em Direito (URCA) e em Filosofia (UFRN). Atualmente, leciona as disciplinas Direito Processual do Trabalho e Elementos de Direito Autoral e Legislação Social na UFRN. Página Acadêmica: www.lycurgo.org
Obs: Imagem retirada do texto do autor em seu livro Variações do Indizível – Ensaios de Risco .
Ilustração de Leandro Garcia criada especialmente parao ensaio.
