domingo, 6 de março de 2011
UM SOPRO DE ETERNIDADE
Padre Beto
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Na tranqüilidade da floresta, uma pequena andorinha, depois de uma curta soneca, levantou a cabeça e lançou uma pergunta no ar: "Afinal, o que significa a vida?" A floresta, então, tornou-se um caos. Todos ficaram perturbados com o simples, mas profundo questionamento. A rosa foi se abrindo e logo apresentou sua tese: "A vida é um desenvolvimento!" A borboleta, porém, passando de flor em flor, argumentou: "A vida consiste em alegrias e raios de sol!" A formiga com certa irritação frente à superficialidade das respostas contestou: "A vida não passa de esforço e trabalho." A discussão continuou o dia todo e em um certo momento foi interrompida por uma chuva que dizia: "A vida é formada de lágrimas, somente de lágrimas..." Voando bem alto, uma águia gritou para todos ouvirem: "A vida é uma constante aspiração às alturas." Assim, desde os pequenos insetos até os maiores animais da floresta procuravam oferecer uma resposta de acordo com sua própria experiência. A noite chegou e por ali passava um ser humano. Certo de que ninguém o ouvia afirmou como um ser racional: "A vida é uma constante procura de felicidade em um mar de frustrações". A noite tornou-se longa terminando finalmente com o discurso do amanhecer: "Como eu, o começo de um novo dia, assim é a vida: o despertar da eternidade!"
Todo cristão, ou não cristão, deveria ler o livro "Eclesiastes", um dos mais curiosos e interessantes da Bíblia. O "Eclesiastes" surgiu de uma síntese entre a antiga sabedoria do oriente e a cultura grega. Nós não sabemos quem foi seu autor. Provavelmente, um sábio que ensinava em praça pública e por isso foi apelidado de Coélet (eclesiastes que significa o mestre, o orador de uma ekklesia, de uma assembléia). O livro, escrito em um hebraico revolucionário para a época, pois mistura o refinamento do clássico com gírias e expressões inovadoras, não prega utopias. Ele não foi escrito por nenhum profeta, revolucionário ou guerrilheiro, mas sim por um pensador. O autor apresenta de uma forma bem simétrica uma cosmologia, uma antropologia, críticas à sociedade, à religião e à mentalidade da época. Para ele, a história consiste em um eterno retorno: "O que se fez, se tornará a fazer, nada há de novo debaixo do sol". Coélet também não ilude o leitor com perspectivas para a vida pós-morte: "...a sorte do homem e a do animal é idêntica: como morre um, assim morre o outro, e ambos têm o mesmo alento; tudo caminha para um mesmo lugar: tudo vem do pó e tudo volta ao pó." Esta postura única e radical entre os textos bíblicos possui uma razão de ser. Coélet procura despertar o leitor para a efemeridade da vida e para a possibilidade de viver a eternidade de cada momento. "E compreendi que não há felicidade para o homem a não ser a de alegrar-se e fazer o bem durante sua vida".
Já em seu início, o autor procura demolir todo tipo de construção ideológica e religiosa com a expressão hebraica: "Ravel ravalim". Esta foi traduzida para o latim como "Vanitas vanitatum, omnia vanitas" (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade). Porém, a tradução latina não nos oferece atualmente o conteúdo exato do texto original, pois "ravel ravalim" significa vapor ou sopro de vento. Assim, para o Eclesiastes, a vida é um sopro de vento, efêmero, passageiro, extremamente transitório. Juntamente com esta constatação não facilmente aceita por nós, Coélet faz uma crítica ao pensamento da época que acreditava ser a boa ação uma garantia de vida longa e felicidade futura. "A corrida não depende dos mais ligeiros, nem a batalha dos heróis, o pão não depende dos sábios, nem a riqueza dos inteligentes, nem o favor das pessoa cultas, pois oportunidade e chance acontecem a eles todos".
Ao contrário do que muitos podem pensar, Coélet não prega, de forma alguma, pessimismo ou resignação. Suas conclusões sobre a vida denunciam as ilusões da lógica humana enquanto nos levam a perceber que o verdadeiro valor da vida está no momento de agora e a boa ação deve ser realizada não com terceiras intenções, mas simplesmente porque são boas. A felicidade pode ser construída a partir do momento que nos conscientizamos que cada tempo possui um conteúdo e este deve, seja bom ou ruim, ser por nós saboreado. O caminho para o ser humano é o respeito a Deus e este consiste em abraçar o momento presente e degustá-lo em seu sabor. O agora por ser um sopro de vento e recebe um valor único. Nele devemos encontrar um "viver revolucionário" e, com lucidez e vitalidade, interagir com o novo. "Vai, come teu pão com alegria e bebe gostosamente o teu vinho (...). Que tuas vestes sejam brancas em todo tempo e nunca falte perfume sobre a tua cabeça. Desfruta a vida com a mulher amada em todos os dias da vida de vaidade que Deus te concede debaixo do sol".
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