domingo, 13 de março de 2011

OS VÁRIOS ÊXODOS DA HUMANIDADE


Marcelo Barros(*)


Em poucos meses, em vários países do norte da África, multidões de civis e principalmente de jovens reunidos por sites e blogs de internet, têm povoado ruas e praças e, em uma revolução não violenta, derrubam ditadores sanguinários. Há ainda poucos meses, quem poderia imaginar que no Egito, um faraó do mundo atual cairia apenas com o grito da juventude? Na Líbia, o coronel Kadafi declara que só deixa o poder morto. E para não perder o poder, ordena o massacre de todos que a ele se opõem. Segundo a ONU, já ordenou o assassinato de milhares de pessoas.

Neste tempo em que muitos cristãos vivem a preparação para a festa da Páscoa, um dos livros bíblicos preferidos das comunidades é o Êxodo, segundo livro da Bíblia hebraica. Redigido em etapas diversas e a partir de antigas narrativas orais, o livro do Êxodo conta a libertação do povo hebreu do Egito dos faraós antigos e narra também a longa caminhada pelo deserto, na direção da terra da liberdade. Conforme o livro, o Espírito Divino inspirou a Moisés a tarefa de conduzir o povo na luta para se libertar da escravidão. Conforme o texto, os escravos não queriam a libertação. Esta era arriscada e exigente. O mais cômodo era continuar escravos com um patrão que não os oprimisse. Bastava melhorar a estrutura e preferiam continuar escravos. Mas, este não era o projeto divino para o seu povo. E com todas as dificuldades e hesitações, enfrentando até oposição, Moisés conduziu o povo à sua libertação.

A Bíblia conta estas memórias antigas para dar a quem, hoje, ler o texto, a confiança de que Deus continua chamando toda humanidade à liberdade e a acompanha rumo à sua libertação. Cada ano, ao celebrar a Páscoa nas sinagogas, os rabinos proclamam: “Quando Ele conduzia nossos antepassados da escravidão para a liberdade, pensava em nós e fazia isso em função de nós, para que, hoje, sejamos livres”.

Hoje, o mesmo Espírito inspira e move a juventude a provocar medo nos tiranos e a suscitar formas de governo mais verdadeiramente democráticas. As televisões mostram a multidão de crentes mulçumanos que se prostram na direção de Meca, ao mesmo tempo que estão nas praças exigindo o fim das ditaduras. Todo mundo pode ver que não se trata de terroristas nem de Al Kaeda. São jovens iguais a nossos rapazes e moças que freqüentam internet. Entretanto, eles ligam sua fé à missão de transformar o mundo e conseguir justiça e uma vida melhor para todos.

Na América Latina, também uma multidão de pobres está retomando o antigo projeto de Simon Bolívar no início do século XIX: uma América do Sul unida como uma pátria única e livre de todo tipo de opressão. Povos como os da Venezuela, Equador e Bolívia têm vivido isso intensamente, mas outros países também têm iniciado este caminho. Daí conseguimos nos libertar da dependência colonial e já contamos com novos organismos internacionais de integração da América Latina, como a UNASUL, a ALBA e outros.

As atuais manifestações no mundo muçulmano e mesmo o que ocorreu no Brasil nas últimas eleições presidenciais mostram que o fundamentalismo religioso e o fanatismo não ganham mais eleições. Mesmo o grande poder dos grandes impérios das comunicações não conseguem mais dominar o povo e evitar que as populações antes dominadas possam gritar sua esperança de libertação e reafirmar que outro mundo é possível. Parece que neste ano de 2010, a Páscoa está começando a ser vivida nas ruas pelo povo simples e pelos jovens. Só depois as Igrejas e sinagogas celebrarão.


(*) Monge beneditino, teólogo e escritor.