segunda-feira, 21 de março de 2011

INQUIETAÇÃO

Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/


          Que força é esta, meu Deus, que me subjuga e me possui, duplica os caminhos, as chuvas, as tempestades e o medo que tenho das pessoas que olham e não me vêem?
          Que força é esta que deixa na alma uma inquietação de mar, uma doçura de rio, uma ternura de céus iluminados?
          E por que a dor dos sonhos perdidos, das perguntas que não respondem ao meu grito? Do sofrimento, aviso prévio de uma solidão que macula o corpo e se transforma em silêncio?
          Nesta exaustão que me tolhe os movimentos não ouso falar, nem chorar, nem pedir. Há um engano que engana o meu tempo. Fruto de si mesmo plantado na alma antes do nada.
          Perco-me nas madrugadas de dias que morrem e nascem a cada sofrimento.
          Fiat Lux, a Voz acendeu a luz.
          Não posso deixar de sentir saudade, o meu segundo eu, minha identidade, a verdadeira, a que me reveste e protege dos esquecimentos desta vida paralela.
          As idéias maduras escondem-se, brincam nas mãos, nos olhos, nos abismos, reféns das palavras. Morro e torno a nascer enquanto penso, enquanto escrevo. Minha palavra tem muitas faces, nem sempre verdadeiras. A energia de uma verdade que não se explica, ata-me às idéias, cala-me o pensamento. Quando penso que sou, já fui, ou serei. Até mesmo hoje não me reconheço, ontem e amanhã não saberei de mim.
          Olho, respiro, caminho, sofro nas dores da recriação. Escrevo aos pedaços de mim. Palavras, idéias, nada me vem por inteiro. Careço da força do silêncio para concretizar o abstrato.
          Agora mesmo, neste momento, as letras brincam sobre o papel, indiferentes, poderosas, pólos carregados de mistério. Unem-se para lutar, para vencer, ou me entregar ao mundo ou dele me excluir.
          Comecei um poema. Não terminei. Na verdade nem sei se comecei ou terminei começando. Não lhe sabia do fim, não lhe conhecia a origem, ele não possuía um meio, nada que justificasse as palavras perdidas. Um som desafinado apoderou-se das letras desunidas e eu não soube o que fazer com elas.
          As coisas só são lógicas quando servem para deixar sem resposta perguntas que se auto-respondem: “é lógico” e por ser lógico a gente acredita. E, afinal, o que é lógico?
          O ofício de pensar me cansa, responder me enfada. O ar que respiro é tão pesado quanto os passos que mal suportam o peso de uma alma presa. Nem sei se recebi a certa. Não me dou bem com esta que tenho, é complicada. Pra que me serve assim tão sofrida, dentro de uma casca que se decompõe a cada dia? O que fazer com ela?
          Mergulho em outras almas, abismos que me atraem e me repelem, jogam-me longe sem guardar sequer um reflexo de mim.
          Exploro os abismos, ando sobre olhares e sorrisos, sobre espuma incandescente de vulcões ativos. Tenho que pisar firme sobre o fogo, sobre a terra, ou sobre a frieza das pedras. Provoco nestes espaços um profundo eco que a tudo responde, sabe de tudo, das coisas que falam de mim. Devolve-me o eu que lhe mandei. Só ele é fiel, me reconhece, me repete e sempre volta.
          Continuo na busca das definições que enchem os abismos de outros abismos e procriam, procriam sempre, cada vez mais, palavras anêmicas, desidratadas.
 

Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega