domingo, 6 de março de 2011
ASSIM EU VOU
Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/
Estes inquietos ventos andarilhos derrubaram o coqueiro do quintal, as pitangas ainda verdes, as acerolas maduras, deixaram flores caídas na folhagem seca. Estes fortes ventos andarilhos me trouxeram lembranças de lá, lá depois do horizonte onde nasci menina e onde deixei abertas as portas do pensamento.
Estes ventos andarilhos ainda me assombram à noite, gemendo nas frestas das portas num choramingar de crianças num ranger de dentes de assombrações. Almas presas nas tramas do vento. Ah! Vento andarilho que se esqueceu de algum amor em algum lugar e vem me contar a sua história.
O inseto, pequeno, ligeiro e leve desafia o vento, atravessa minha mão de um para outro lado, sacudo a caneta para derrubá-lo e sobre o papel ele inventa outro caminho. Vai embora como veio e nem sei se tem nome.
O vento, vento que balança as palhas dos coqueiros e os fios onde os pardais se seguram e se equilibram e cantam uma cantiga de chamar pardais. Ai, vento andarilho que sabe das coisas, dos sonhos que o tempo transforma, e enfeita o sonho que devora os pés nus que caminham sobre as pedras ásperas e frias, que me esconde à noite no calor dos lençóis, desforra minha cama e me envolve em velhas lembranças como nuvens de fumaça se enovelam, sobem rodopiam e voltam não mais sonhos não mais dores, espaços vazios, realidade.
No sonho vejo o que bem quero. Transformo o dia em noite e à noite acendo, com luzes de carvão, estrelas de metal, pontas de cigarro brilham no céu da boca infinita que boceja, apagada e acende e clareia a lágrima, o cheiro dos jasmins, buquês queimados na estátua de sal, nas nuvens de gelo enquanto revejo e recrio e nomeio: estrela, pérolas, fachos de luz e então a porta se fecha, a porta se abre num mundo indefeso sem chaves, sem dono. Assim sonhando eu sou, eu vou, estou e fico em todas as formas de espinhos. Um sonho que é peixe é mar, é andorinha voando, lua tomando banho nua no rio, escondida nas poças da rua nos olhos do homem que já nasceu chorando sem saber por quê...
Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega
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