terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

ROMEU FOTÓGRAFO

Vladimir Souza Carvalho (*)


Os fotógrafos dos meus tempos de menino, em Itabaiana, estão mortos, inapelavelmente mortos. Joãozinho Retratista, que era o mais velho, se tornou o primeiro a procurar o aconchego da eternidade. Depois, foi a vez de Ciro Moreira, que por lá passou, quase como um meteoro. Romeu Fotógrafo ficou só, com raízes na década de cinqüenta, avançando pelo século em curso, até fechar para o lance os olhos, em definitivo, e endurecer as mãos que seguravam a máquina fotográfica, depois de mais de cinqüenta anos de tê-la ao seu lado, como instrumento de trabalho.

Dos três, foi o que teve maior durabilidade e sentido profissional, a ponto de se despojar da aureola amadorista de Joãozinho Retratista, - nome maior, no ramo da foto artesanal – e se expandir, saindo do seu estúdio para ir as ruas, no registro do fato, quando a praxe da época era o fato ir ao estúdio para se transformar em foto. Foi o primeiro a se preocupar em pincelar o estúdio com as cores da atração, minucioso até na arrumação das vitrines, na exibição de fotos onde aparecia de máquina de mão, que eu não cansava de apreciar, achando a coisa mais fantástica do mundo. Terminou se imiscuindo em outros ramos do comércio, e, aí, por falta de contato, a realidade dos últimos anos me escapa do registro.

A condição de fotógrafo foi incorporada ao nome, como um apelido do qual não conseguiu se despojar - Romeu Fotógrafo -, o que bem retrata (não encontrei outro verbo mais apropriado, no momento) a sua longa atuação no ramo em Itabaiana e arredores, fotografando diversas gerações, ele e os seus, levando em conta que não foi um solitário a monopolizar a fotografia, cercando-se sempre de numerosa equipe, via da qual podia estar em vários locais ao mesmo tempo. Daí não ter sido só um fotógrafo, mas uma empresa de fotografia, e no aspecto, foi pioneiro.

Mas, como ninguém em Itabaiana passa imune aos fatos, Romeu não se limitou só a foto no sentido profissional. Teve seus vôos nos céus da história local, eternizando paisagens e lances outros, em centenas de fotos, que, infelizmente, se dispersaram ao longo dos anos. Só as fotos dos tempos de Euclides Paes Mendonça já simbolizam uma valiosa contribuição e um sinal do olho do fotógrafo que vê no foto um lance, a ser captado, para ilustrar a história, mais tarde. Deste rol, conservo algumas comigo, obtidas de variadas fontes.

Tampouco, conseguiu resistir ao apelo da foto artística, que enfiava em cartões de boas festas, na sedimentação de lances fortuitos da natureza e de cenas de Itabaiana urbana, muitos dos quais guardo em algum lugar de minhas estantes, como testemunho fiel de suas incursões na busca de registrar o belo para aprisioná-lo em suas fotos.

Seu estúdio sempre se colocou no meu caminho. Em menino, indo para a loja de meu pai, no Largo da Feira (prefiro ainda a terminologia daqueles tempos), por ele passava, na rua da Vitória, e, parava, sempre e religiosamente, para ver as fotos exibidas, muitas das quais permanecem nítidas em minhas lembranças. Depois, já magistrado de Nossa Senhora da Glória e de Campo do Brito, fazendo morada em Itabaiana, para delas ficar mais próximo, ia ao seu estúdio, agora à rua Sete de Setembro, para ouvir histórias e assimilar lições.

Nos meus arquivos, alguns lances de Itabaiana das décadas de cinqüenta e sessenta evidenciam a presença de Romeu Fotógrafo de máquina em punho, nas ruas, na tentativa de apreender a paisagem local para o eterno do papel, a materializar a sua participação dentro do requisito ligado aos aspectos da evolução urbana de Itabaiana ao longo dos anos.

A notícia de sua morte, no último dia 20, traduzida em três telefonemas (um só não foi suficiente para a areia assentar no copo), me trouxe à tona um rosário de boas lembranças do cidadão Romeu Alves dos Santos e do profissional Romeu Fotógrafo. Não pude segurar na alça de seu caixão, nem levar aos seus a solidariedade de minha presença. Fica, aqui, o registro de algo seu, em palavras apressadas que a saudade ditou.


Publicado no Correio de Sergipe