domingo, 12 de dezembro de 2010

PORTUGAL, A NATO E O BRASIL

                                                          
  Portugal, a NATO e o Brasil
                                          
                             por
     
                       
               J. A. Horta da Silva


                       (2010-11-26)



horta.silva@sapo.pt



Há muito que Portugal deve um agradecimento público às Forças Armadas, em geral, e aos milicianos, em particular, à altura do sacrifício despendido nas guerras do ex-ultramar português. É na assunção das responsabilidades históricas, que uma Nação se redime das injustiças. Porém, o Portugal de hoje continua a manter um pendor belicista, não obstante os portugueses serem um povo pacífico. E não venham políticos, como Pacheco Pereira, imputar ao esquerdismo as reservas colocadas relativamente às intervenções das nossas Forças Armadas no Kosovo e Afeganistão, asserções que vão para lá dos clichés usados em sede do colóquio “A Aliança Atlântica e a Segurança Internacional”. Se antes da cimeira da NATO, eu tinha dúvidas sobre estes envolvimentos, após cimeira, mais ciente fiquei do tropeço que foram tais decisões. É diabolicamente brilhante, a forma como os políticos sacodem o pó dos erros cometidos, mesmo quando este pó tem a ver com danos humanos e financeiros que, por arrasto, se colam ao descalabro da dívida pública portuguesa.

Li, há algum tempo, um longo e exaustivo artigo do general Espírito Santo, subordinado ao tema “O Orçamento da Defesa e o Orçamento das Forças Armadas” que pretende justificar o interesse da instituição, a nível nacional e internacional, versus carência orçamental (despesas correntes e investimento). O artigo perfila a visão de um militar magoado, que se impõe por uma linha de raciocínio influenciada pela “Árvore das Emoções e Sentimentos” de António Damásio e, por isso, inequivocamente desajustado ao presente e futuro de Portugal. Eu também tenho uma visão deplorável do decaimento a que chegaram instituições de prestígio internacional como eram “O Laboratório Nacional de Engenharia Civil” e o “Instituto Nacional de Engenharia e Tecnologia Industrial” e também da carência laboratorial que existe nas escolas e universidades portuguesas, que sobrevivem, na melhor das hipóteses, com simulações feitas em papel e lápis ou em computador, quando o objectivo é ensinar o saber executar.

Mais de 2.500 milhões de euros na modernização das Forças Armadas entre 2010 e 2011, (submarinos, aviões e demais equipamento bélico) para quê? Os actuais inimigos são o terrorismo e o tráfico de droga e, para combater estes males da sociedade moderna, não há nada mais eficaz do que um bom serviço de inteligência a colaborar com os tradicionais aliados de Portugal. Para a fiscalização e intervenção rápida, adaptem-se as polícias (terrestre e marítima) às necessidades dos tempos que correm, deixando para as forças militares a defesa do regime e, eventualmente, uma ou outra missão de paz aprovada pela ONU. Aliás, não obstante a presença da Rússia, a cimeira da NATO não passou de uma montanha que pariu um rato em termos de conclusões, a menos que o sumo da discussão tenha sido demasiado margoso para dar a conhecer à comunicação social.

A indústria de armamento constitui uma enorme fonte de receita para os Estados Unidos (52%), Reino Unido (13,4%), Rússia (8,4%), França (7,2%), e outros (19%) e a América do Sul é hoje um dos maiores destinos de material bélico, com destaque para o Brasil e Venezuela. Entre 2006 e 2009 a América Latina quadruplicou os gastos em armamento, subindo de 5,763 para 23,726 bilhões de US dólares. Em Setembro, o Congresso Americano divulgou o relatório sobre os países em desenvolvimento que, em 2009, mais armas compraram. O Brasil é o primeiro da lista. Gastou 7,2 bilhões de dólares, todavia qualquer destes países está alicerçado em economias prósperas e o Brasil é a nova China do hemisfério sul.

E, face a estes dados, é legítimo perguntar: na cimeira de Lisboa, tratou-se da extensão da NATO a todo o Atlântico? Há receios relativamente à Teologia da Libertação ou o Brasil voltou a dizer não aos americanos?

Quem não nasceu no deserto, dificilmente sobrevirá quer às escarpas e vales talhados pelo dilúvio e pela deflação dos furores de antanho, quer aos mares de areia depositados pelo ventos mais recentes, sem vestir a pele do beduíno e de outros povos do deserto. Nestas paragens, a vida é comandada por uma ordem demasiado lenta, que impõe um grande poder de resistência. É a imagem nua do tempo, crispada pela torreira do sol e pelo frio agreste das montanhas e da noite. Os anos, os séculos e os milénios passam pelos desertos alheios à mão do homem e, durante todo esse tempo, os grãos de areia, que por todo lado atormentam, deixaram-se arredondar, sujeitos à tirania da força das intempéries que sempre os martirizou de modo implacável. Vistos ao microscópio, parecem pequeninas obras de joalharia feitas de quartzo, quais bolinhas de cristal de face fosca e macerada pelas inúmeras e minúsculas marcas de choque causadas pela vida errante. E neste cenário, o exército soviético perdeu a guerra do Afeganistão, facto histórico que coincide com o princípio do desmantelamento da URSS. Será que a NATO se prepara para abandonar mais um dos atoleiros onde se meteu, seguindo as pisadas dos Estados Unidos no Vietname?

Mais tarde ou mais cedo se saberá o que realmente se passou na cimeira de Lisboa.