domingo, 12 de dezembro de 2010

O PRAZER DO DIÁLOGO

Padre Beto
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Em uma certa manhã, os olhos se fixaram no horizonte e com admiração disseram: "Existe uma linda montanha do outro lado deste vale!" Depois de alguns minutos, os ouvidos, com certa curiosidade, perguntaram: "Onde está ela? Nós não estamos ouvindo montanha alguma!" Foi, então, que as mãos se ergueram e afirmaram: "Nós estamos tentando tocá-la mas, infelizmente, não sentimos nada". O nariz se empinou e disse com certa arrogância: "Eu não sinto cheiro de montanha. Como pode haver uma montanha a nossa frente?" Os olhos, então, se deixaram esfregar pelas mãos, mas continuavam a ver a montanha. Seus companheiros, porém, não quiseram mais ouvir seus argumentos e chegaram à rápida conclusão: "Pobres olhos... eles devem estar doentes!"

Ninguém sabe exatamente quando o ser humano aprendeu a falar. Mas acredita-se que a espécie humana tenha começado a desenvolver a fala a cerca de 60 mil anos antes de Cristo. Essa possibilidade foi levantada após a descoberta de um osso hióide (situado na base da língua) em uma caverna no monte Carmelo, em Israel. Existem algumas teorias que procuram explicar o porquê do surgimento da fala em nossa espécie. Uma das mais conhecidas é defendida pelo lingüista dinamarquês Otto Jespersen, a teoria do "la-la". Segundo esta, a linguagem humana nasceu através de nossos impulsos românticos. Para o filósofo grego Platão, são justamente estes impulsos que levam o ser humano a um processo de conhecimento, processo este intimamente ligado à linguagem. "Eros" constitui se, segundo Platão, na energia que movimenta as pessoas para o verdadeiro ser e para a idéia do Bom. Eros é o movimento de prazer e vida que acende nas pessoas a nostalgia de completar-se e de encontrar a verdadeira sabedoria, a beleza do conhecimento. Nós conhecemos o mundo e o transformamos porque desejamos sentir conforto, bem estar, prazer e estas necessidades fazem com que o ser humano cultive relações com seus semelhantes e, através destas, se aprofunde no que Platão afirmava ser o mundo das idéias. Neste contexto de relacionamento e necessidade de aproximação entre as pessoas desenvolve-se o ato de falar, a linguagem humana. Não é por acaso que Platão escreve a maioria de suas obras em diálogos tendo Sócrates como protagonista. Nesta forma de utilização da fala, ou seja, no ato do diálogo que a linguagem encontra seu objetivo mais nobre: o aprendizado. No diálogo a linguagem desenvolve naturalmente o método através do qual afirmações, impressões ou teses são apresentadas, contestadas e reafirmadas, enfim, transformadas ou construídas na dinâmica do confronto. Com este método dialético, o diálogo, dizia Platão, purifica as idéias e faz com que elas iluminem o caminhar do ser humano.

O diálogo constitui-se em um fenômeno que se opõe radicalmente ao monólogo. Enquanto o último se desenvolve em uma unilateralidade, na qual somente uma pessoa possui o poder do discurso, o primeiro se movimenta através da liberdade de todos na compreensão e construção da realidade. "A conversação deve tocar em tudo, mas não se concentrar em nada" (Oscar Wilde). O diálogo possui a princípio um caráter de discussão. Discutir significa expor suas idéias e estar disposto a confrontá-las com as idéias do outro. O diálogo não acontece através de um simples "falar com alguém", mas na disposição de criar um verdadeiro espaço para a troca de idéias e contribuição mútua. Martin Buber escreve sobre a importância do diálogo para a existência humana, a qual não pode ser pensada sem a relação com o outro. A dimensão dialogal é tão fundamental para o desenvolvimento do ser humano e o seu conhecimento da realidade, que podemos denominar o estudo de nosso ser como uma "social-ontologia". Estudar o nosso ser significa, automaticamente, estudar a relação "eu e o outro", pois o ser humano somente se desenvolve através de um encontro comunicativo. Cada diálogo presume a existência de diferentes "eus" que se tornam parceiros de um mesmo fenômeno. Por isso, só pode ser parceiro de um diálogo quem está disposto a terminar este com alguma modificação em seu ser. Somente aquele que não possui medo da mudança está realmente apto para o diálogo. "Há uma só maneira de ser um bom conversador: aprender a escutar" (Christopher Morley). Saber dialogar significa estar aberto para um verdadeiro relacionamento. Não existe diálogo se estamos fechados para o novo, para as idéias do outro. Em outras palavras, o verdadeiro diálogo só acontece quando, apesar de todas as diferenças, aceitamos o outro com seriedade, como nosso semelhante. É preciso entrar com suas convicções, mas não com a exigência de mantê-las. "Falar não é sempre conversar" (William Cowper).