domingo, 12 de dezembro de 2010

NAS ENTRELINHAS DO COTIDIANO



Maria Inez do Espírito Santo
www.mariainezdoespiritosanto.com


É verdade: não gosto de ir às praias do Rio.

Acostumei-me, na infância, com praias vazias, de poucas ondas, amendoeiras ou coqueiros esparsos garantindo sombra... Dava pra ouvir o barulho do mar, soberano. Aprendi a respeitá-lo assim: contemplando e sentindo na alma seu poder.

Naquele tempo a gente ia devagarinho, quase em romaria, pelos caminhos de terra batida, da casa até o oceano, que se via de bem longe, grande, esbanjando no ar o perfume de manhã ensolarada.

Depois a vida, que não me ajudou a crescer muito, me envelheceu muito depressa e eu, que levo tudo a sério demais, só redescobri esse estado de graça em poucos momentos: teve um acampamento na areia, acordando com as gaivotas e sendo embalada pela brisa da noite, impregnando-me com a luz do sol, no poente e guardando na alma o brilho rosado que queria dizer felicidade...

Teve também alguma vez que fui a boêmia que se embriagava nos intervalos dos mergulhos rápidos, só pra ficar meio louquinha, tentando recapturar os momentos de outrora. Quase conseguia... e era bom...

Mas há muito tempo ir à praia virou compromisso social ou de saúde e eu praticamente desisti. Não suporto mais nada que tenha bula com prescrição. Gosto de saborear o bem estar por ele mesmo... Sempre que tenho cedido às determinações carinhosas, mas impositivas, dos amigos bem intencionados, me arrependo. Por isso, normalmente, o mar só me vê, de passagem e na maioria das vezes, de bem longe.

Ocorre que anteontem, abrindo a Internet, vi uma foto e uma legenda que ressaltavam um momento especial das praias do Rio. Mar translúcido, diziam, onde se pode enxergar as pedras do fundo. Era bonita a imagem que guardei como ilustração, para aplacar o sufocamento do dia fervente de tantas obrigações.

Pois não é que ontem, a praia mandou uma voz me convocar: - Vai ter tempo livre de tarde? Não deixe de dar um mergulho!

Talvez apenas pela necessidade urgente de respirar ar puro, talvez porque essa lua nova inaugurou pra mim um ano sem numeração, me permiti escutar em cheio aquele chamado. Fui. Quase ao por do sol. Apressada, ainda.

Mas uma vez lá, extasiei-me de tal maneira com a temperatura da água, com o bem-estar que me deu estar acolhida por peixinhos, lado a lado, em seu nadar gracioso, que me veio à memória uma cena arquivada. Aconteceu anos atrás, num tempo como o de agora: cansaço, descrença, desorientação.

Eu havia ido ao médico e, não como remédio, mas como receita de prazer ele disse: - Vá até a praia! Está tão bonito o mar!

Pelo inusitado da situação, eu resolvi obedecer.

Ao entrar na água, me vi cercada por algumas mulheres mais velhas, que logo puxaram conversa e uma delas quis saber meu nome. E, então, este mesmo nome, que até então nunca me parecera especial, eu ouvi, pela minha própria voz, recitado, dentro do mar, como um canto. (Ei! Esperem! Eu não fiz a gracinha de cantar, de fato. Só falei meu nome, aparentemente da mesma forma como tinha feito a vida inteira.) Mas foi tão misteriosamente forte o que ocorreu, que a mulher me olhou maravilhada e disse: - Que nome poderoso você tem! É um nome lindo!

Foi como um verdadeiro batizado. Pelo menos uma renovação daquele outro, onde esse nome foi confirmada, um dia. Dali pra frente, como por encanto, passei a ter muito orgulho de meu nome e quase espero a reação de surpresa e admiração das pessoas, ao ouvi-lo. E ela quase sempre vem.

Lembrar essa cena me fez sorrir para a noite que chegava e pensar nas coisas simples que tenho desperdiçado, por não valorizá-las, nos adiamentos constantes.

Hoje, acordei na madrugada. Sentia-me excitada, como quando era criança e esperava ansiosa o amanhecer para ir à praia, carregando minha bóia preta, de câmara de ar e meus sonhos flutuantes... Ouso dizer que estava quase feliz ao apressar-me no café, para não me atrasar para um encontro tão desejado e inadiável.

Depois, meus passos, pela areia, já sabiam o caminho. E ele estava lá, sorrindo em mim, a minha espera: meu próprio prazer. Único e indestrutível. Nas entrelinhas.