sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

MEU QUERIDO PAPAI NOEL

Euza Noronha


Levei mais de cinqüenta anos para lhe escrever. Não porque hoje eu acredite mais em você do que acreditei aos cinco anos. Talvez por ter poucas esperanças, eu queira refazer meu caminho e construir uma nova estrada. Ou plantar em mim novos olhares.
Meu neto me disse, Papai Noel, que você nunca se esquece de ninguém. Mas ele não soube me responder se você tem tempo para atender a todos os pedidos. Se o seu trenó corre em estradas esburacadas, se atravessa rios sem pontes, se enfrenta os sertões ressequidos. Se a sua roupa enfrenta as balas perdidas, os gritos desesperados, o vermelho que escorre no chão. Se os seus olhos alcançam os barracos pendurados nos morros e as barrigas vazias e nuas de quem nunca te viu. Mas ele, o meu neto, me jurou que você não se esquece de ninguém!
Acredito no meu neto, por isso vou acreditar em você. Quero primeiro pedir-lhe que dê perfume a quem não vê, cores a quem não escuta, música a quem não fala, asas a quem não anda, dignidade a quem a perdeu. E que plante flores nos caminhos das diferenças, mesmo que também por eles nasçam espinhos.
Para quem não se considera diferente, também peço. Aos insensíveis, dê olhos. Aos sensíveis, dê óculos escuros. A quem ama, dê velas soltas no mar. Aos não-amados, dê a lua cheia de sonhos. Aos ricos, dê a serpente. Aos pobres, a maçã. Aos injustos, dê um dia de cão abandonado. Aos injustiçados, uma estrela verdadeiramente vermelha. Aos jovens, esportes radicais e ideais. Aos velhos, boa memória e um pouco de irreverência. Aos que não se considerarem aqui citados, dê livros, árvores, poesia e imaginação.
Aos poetas, dê musas. Às musas, pés no chão. Dê luz à escuridão e à natureza, dê preservação.
É, Papai Noel, talvez eu esteja pedindo muito. Ou talvez seja pouco para quem nunca pediu. Mas se nada disso for possível, não brigo contigo. Sei que você é esperto e nem pensa em desmentir o meu netinho. Então troque tudo isso por um único tri-pedido: dê barcos aos meus amigos, pontes aos não-amigos e a mim, faz-me rio!