terça-feira, 21 de dezembro de 2010
LUZ E TREVA
Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/
Acordou com raiva do sol que entrava pela janela interrompendo seu sono e trazendo notícias das praias ensolaradas, dos jardins e praças iluminados enquanto ela acordava sem motivação para aceitar a agressiva luminosidade de um dia sem projetos. Gostava da chuva, do céu nublado e sombrio porque lhe davam a certeza de que lá fora tudo estaria escuro e triste. A luz do sol derreteu sua alma cheia de nuvens escuras e pesadas.
Há muito tempo estava assim, revoltada e triste. Não sabia por quê. Se pelo menos tivesse um motivo seria um consolo. Depressão, diziam os médicos, não, não era depressão. Era uma escuridão que só se acendia quando estava dormindo. Abrir os olhos apagava o mundo. A única coisa que ainda conseguia fazer, de vez em quando, era escrever. Nem sempre conseguia. Às vezes passava horas diante do papel sem decifrar os pensamentos. Começou um poema, não soube terminar. Vários arquivos abertos no computador, histórias começadas que não chegavam ao fim. Personagens que não encontravam seus destinos. Os livros arrumados nas prateleiras agrediam sua falta de criatividade. Já lera quase todos. Alguns mais de uma vez. E se cada um roubasse uma frase. Seria uma solução? Haveria nexo para escrever um livro, ou mesmo um simples artigo? Muitas pessoas fazem coisas parecidas, copiam histórias inteiras, mudam apenas os personagens e o número de páginas.
Naquela manhã sentei meu personagem diante de mim e metralhei-o com perguntas. Não respondeu. Não o criei assim teimoso, mas tinha diante de mim um ser triste, como as tardes chuvosas que me davam prazer. À minha imagem e semelhança ele me encarava.
Sei que a narrativa carece de uma linha mestra, alguém me diz isto com a maior naturalidade e o que é difícil é traçar a tal linha. Penso em desistir. Não posso, não controlo a angústia de escrever, a tentativa de escrever. Amanheço sempre assim, todos os dias. Diante de idéias recolhidas, idéias que não me ajudam, não me dão tréguas não se desgarram de mim, não criam vida própria.
Anoiteço carregada de ansiedade, a alma encarrilhada, trêmula, indecisa entre a luz e as trevas. A alma, totalmente cega.
Obs: Texto retirado do livro da autora – A Morte Cega
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