Jacinta Dantas
Um assombro cataclismático, invade e estressa, congestionando os poros, contaminando de impurezas o sangue, o sangue estremecido entre o desencanto e a frustração, o sangue desorientado. Gente que vai... gente que vem... superlotando lojas-supermercados-shoping-restaurantes-ruas-ônibus-buzinas, e o Ser se consumindo num consumismo finalizador, como se tudo acabasse num dia, à meia noite, convencionado como último dia de um ano. Na busca desenfreada, o Ser se desdobra em Despedidas do velho numa tentativa desesperada de manter-se sempre novo, apesar da comilança e da bebedeira permissivas em data final. Alheio às trapalhadas humanas, o tempo segue seu curso, e, no tempo que se encerra, assim como no começo, mais chuva toma conta da avenida e tudo se confunde...e pessoas perdem o pouco que têm e o pensamento remete-se ao ano de 2010 que começa abençoado pela tríade da Paz, do entendimento e da tranqüilidade. Mas a dicotomia da doidice faz desmoronar os projetos, transformando os sonhos em lamento, lama, lágrimas e água, muita água nos lugares encantados ou sem encanto, onde há seres festejando e seres entalados nos morros ocupados por insensatez. ANGRA! O ano termina e eu insisto em relembrar: BUMBA! Penso que, se não esqueço incorro no risco de ter atitude de mudança. Rememorando e não entregando os fatos à fatalidade, ouso pensar que posso escutar a natureza nos momentos em que deságua toda sua força. Qual é a escolha? Para onde ir? Crateras lesionam o fluxo do bem viver em descasos acumulados ao longo do trajeto. Segue o corpo – perdido segue – segue em descompasso cardial suplicando energia e paciência para retomar. E mais uma vez, com todas as avalanches, sinto que é preciso repetir o ritual, apesar das perdas. O coração pede para subir e agradecer, então subo. No alto, com a respiração ritmada, o corpo encharcado recebendo, dos cabelos, os últimos pingos, recompõe-se e, aos poucos, vai se acalmando e percebendo que na sagrada montanha, protegida por frondosas árvores em todo o seu entorno, o espaço é propício à contemplação. Sigo, procurando o melhor espaço e vejo o perfume no olhar radiante que me socorre. Na rocha molhada, percebo-me aliviando os medos contidos em assoreamentos subterrâneos. Então, admiro seu jeito livre que me devolve a intensidade da luz: uma gostosa troca que me faz reverenciar a vida pelo pulsar que aproxima as várias formas do viver. Elevo-me para o infinito, escuto-me...escuto-me...escuto-me...confidenciando meu desejo de esperança, sabedoria, justiça e o equilíbrio necessário na ocupação dos espaços para que outras tragédias sejam evitadas. Volto meu olhar e mais uma vez contemplo a flor amarela, com suas grandes folhas, esparramada sobre a rocha. E ela, generosa, acolhe-me com alegria e, em harmonia com o lugar que ocupa no mundo, toca em seus sinos a canção do amor fraternal na ternura do amarelo desabrochando em sorrisos, mostrando-me que eu sou o Ser que também é pingo de chuva, o Ser que também é rocha...que também é flor. Misturando-nos, sinto o pulsar da Alamanda proclamando com sua beleza que a tempestade vai passar; proclamando com sua simplicidade que o dia termina e sempre haverá o Amanhecer – amanheceremos em 2011 – conscientes de que juntos somos um no Universo, e, sendo um, precisamos nos cuidar, harmonizando-nos e reverenciando as 04 estações, os 04 elementos, as 04 fases da lua, 0s 04 pontos cardiais...e, respeitando-nos, a flor se fará Flor e gente será o Ser que se faz no caminho, tornando-se gente à imagem e semelhança de Deus.
Obs: Imagem enviada pela autora ( alamanda, do fotoblog da UOL)