domingo, 14 de novembro de 2010

REPÚBLICA E REINO



D. Demétrio Valentini *


          A próxima semana começa com o dia da República, e termina com o domingo de Cristo Rei.
          República e Reino. Até parece combinado. Para arrematar bem este ano litúrgico, nada melhor do que estas duas referências estimuladoras, com o claro desafio de integrar os valores que elas apontam.
          Uma visão, portanto, não teórica, mas prática, no intuito de discernirmos como participar concretamente da República, e como, ao mesmo tempo, sentir-nos cidadãos do Reino de Deus.
          Logo salta aos olhos que a referência mais rica, mais profunda, mais permanente, é sem dúvida o Reino. Não é por acaso que o Evangelho o menciona com tanta freqüência, a ponto de Cristo ter dedicado a ele a maior parte de suas parábolas. E depois de ter contado tantas, ele mesmo se perguntava com que mais poderia ser comparado o Reino.
          Mateus, herdeiro da tradição judaica, fala do “Reino dos Céus”, para evitar de citar, por respeito, o nome de Deus. E´ sempre prudente não usar em vão o nome de Deus!
          São pitorescas as comparações usadas por Cristo. Desde o aceno para o grão de mostarda, até a comparação do banquete, rejeitado pelos convidados, mas oferecido inesperadamente aos pobres.
          As muitas comparações usadas por Cristo sugerem que o Reino aponta para a integração, para a harmonia, para a totalidade, onde somos convidados a nos integrar. O Reino não disputa lugar com as outras realidades. Ao contrário, ele integra a todas, apontando o sentido e a finalidade de cada uma, concreta e singular, que assim não se entende perdida ou isolada, mas integrada no conjunto maior.
          O Reino supõe harmonia interior, que Jesus expressava de maneira surpreendente e encantadora, e buscava por sua atitude mística de recolher-se longamente em oração.
          Jesus fala que o Reino é semelhante ao fermento que a mulher põe na farinha, até que tudo fique levedado. Ou semelhante também ao sal, que torna saborosa a comida. Ou à luz, que deve ser colocada em lugar de destaque para iluminar todo o ambiente.
          Com estas comparações, fica claro que o Reino não é alheio à realidade. Ele a respeita, mas tem a força de transformá-la por dentro, não contrariando sua natureza, mas levando-a a desabrochar suas potencialidades.
          Portanto, o Reino não é alheio à realidade. Quem se sente animado a participar do Reino, e a agir de acordo com sua inspiração, se volta para a realidade, e procura a maneira adequada de nela interagir.
          Pois bem, nesta semana comparece uma realidade muito importante, com um nome bem concreto: a nossa República, a “República Federativa do Brasil”.
          Se queremos ser coerentes com a realidade do Reino, precisamos encontrar a maneira adequada de participar da vida republicana. O cristão se sente participante do Reino, mas também cidadão da república.
          Porém, com uma diferença: na esfera do Reino, lidamos com o absoluto, contamos com verdades definitivas, apelamos para a obediência e para a comunhão de pensamentos e de vontades.
          Na vida republicana lidamos com o relativo, com o precário, com o provisório, com o limitado, e não podemos invocar sobre estas realidades a mesma postura que adotamos na vivência do Reino. Na República não convém, por exemplo, invocar o nome de Deus! O melhor é cumprir, na prática, a sua vontade.
          No Reino se escuta e se obedece. Na República se pensa e se decide. Quando aplicamos à República os mesmos procedimentos do Reino, acabamos desrespeitando a República, mas também traindo o Reino, pois ele aposta, não na imposição, mas no convencimento.
          A propósito, isto tem alguma coisa a ver com as recentes eleições acontecidas na República?


* http://www.diocesedejales.org.br/