O DENDÊ DA BAHIA
Sebastião Heber
shvc50@gmail.com
O dendê tem uma dimensão e um lugar que sempre ocupou, na nossa cultura afro-brasileira, como alimento e elemento ritual para o culto do candomblé. Além disso , ele pode ser visto como elemento alternativo para ser um possível combustível, sendo um substituto, ao lado do álcool e do petróleo etc.
De qualquer forma, o lugar dele é sagrado na cultura baiana e brasileira, como em todas as culturas importantes do passado há um lugar especial para plantas ou alimentos significativos. Até os nossos dias, o Forum Romano conserva, de forma simbólica, as plantas sagradas da antiga Roma: a oliveira,o louro e a figueira.
Considerado produto típico da comida de santo, o dendê,há muito, deixou os terreiros de candomblé para ser parte integrante da culinária baiana. Na nossa avaliação de leitores, a aceitação do dendê sinaliza a incorporação menos preconceituosa da cultura afra.
O dendê , de tal forma entrou na sistemática baiana que a estratégia turística da Bahia, na sua distribuição geográfica, no Baixo Sul, tendo como base o eixo Guaibim-Morro de S. Paulo, nos municípios de Valença e Cairu, incluindo ainda Taperoá e Camamu, chama-se, exatamente, Costa do Dendê – e isto não é por acaso.
O poeta Jorge de Lima, inspirado nas comidas da Bahia, assim se exprime: “Comer efó,pimenta,jiló . Cobrei substância com mocotó, Bahia, estas comidas têm mandinga.Bahia, esse tempero tem mocó. Lá vem tabuleiro. Cocadas, pipocas. Lá vem verdureiro: pimenta, jiló. Moqueca, dendê, arroz com efó, pimenta, jiló” .
O dendê não podia faltar nesse elenco alimentar.
Roger Bastide, em seu artigo sobre “ A cozinha dos deuses” ( Candomblé e Alimentação), reunindo dados de outros autores, vincula a cozinha afro-brasileira ao candomblé e o coloca no ângulo místico. Ele se exprime assim: “ Os deuses são grandes glutões, e os mitos que nos relatam suas vidas andam cheios de comezainas pantagruélicas, de voracidade homérica”. Sabemos que quando se entra num peji chama a atenção a abundância de pratos coloridos e saborosos, oferendas das filhas de santo aos seus orixás, todos eles bons e finos gourmets , e cada um com o seu prato preferido. Há aqueles que não dispensam o dendê, mas há outros , como Oxalá, que recusam o azeite de dendê, preferindo os pratos brancos ( cará, arroz, mungunzá branco). De qualquer forma, o fruto do dendê é fetiche do Ifá, prediz o futuro, é adivinho.
A alimentação do negro, ao longo desses 450 anos, nos engenhos brasileiros, podia não ser nenhum primor de culinária, mas como dizia Peckolt, “ faltar não faltava, pois havia abundância de milho, toucinho, feijão, mandioca , rapadura e até a cachaça”. Claro, que se pode discutir quanto à generalização dessa afirmação.
A contribuição do escravo consagrou-se através da cozinha afro-brasileira e os três centros que se tornaram mais notáveis por esse aspecto, são Bahia, Pernambuco e Maranhão. Mas especialmente a Bahia, deu espaço a que fosse criada uma nova instituição na culinária afro-brasileira: o tabuleiro da baiana.
Evidentemente , que a condição do negro que integrava as primeiras levas de escravos, era, por demasiado, constrangedora para poder influir nos hábitos alimentares do colonizador. Mas pouco a pouco, eles foram deixando a sua marca, as suas contribuições – ao lado de tantas outras, como o quiabo, está o dendê, trazido por eles para cá.
A fidelidade do negro aos seus costumes , idiomas, credos, ritos e especialmente, a culinária – que é um elemento permanente da cultura popular – ajudou para preservar a própria cultura africana.
A nutricionista Lieselotte Hoescht Ornellas diz que os negros , especialmente do Daomé,, Nigéria e Gana, “ conservam reminiscências culinárias de mais de cinco séculos” . Ora, dessas regiões o Brasil, e em especial, a Bahia, recebeu fortes contingentes de escravos. Ela ainda diz que o acréscimo do dendê aos alimentos , emprestou à nossa culinária o toque africano a qualquer receita que se queira fazer. O dendê e o vinho de palma já haviam sido mencionados em 1699, na Bahia e em Pernambuco, integrando pratos afro- indígenas, ainda acrescenta a autora.
Gilberto Freyre afirma que “ a sociedade brasileira tem um dos povos modernos mais desprestigiados, na sua eugenia e mais comprometidos na sua capacidade econômica , pela deficiência de alimentos (...). Muito da inferioridade física do brasileiro, atribuída à raça e ao clima, deriva-se do mau aproveitamento dos nossos recursos naturais, de nutrição, esquecidos pelos primeiros colonizadores, latifundiáros e escravocratas .”
É a hora do dendê ultrapassar os destemperos ideológicos e econômicos e se fixar , definitivamente, na cozinha brasileira , sendo bem aproveitado como um recurso que já se tornou natural na nossa região.
Sebastião Heber .Professor adjunto de Antropologia da Uneb,. da Cairu, da Fac. Dois de Julho. Membro do Instituto Geográfico e Histórico da BA e da Academis Mater Salvatoris.