segunda-feira, 8 de novembro de 2010

A HORA DE DIZER ADEUS

Euza Noronha


Quando a gente se enamora (linda esta palavra), desencadeia-se um delicioso processo de encantamento. Os olhos brilham e refletem algo que parece ser o início do amor. E construimos vários sonhos e começamos a viver em função destes sonhos. Dormimos e acordamos em companhia deles. O outro, aquele que desencadeou este processo de magia, passa a ser o nosso ideal. Vestimos nele a roupagem mágica do que nos completa. E ele passa a ser a nossa alma gêmea. Perfeito, adorável, querido.
Um dia percebemos que este mesmo outro que tanto nos encantou é tão humano quanto o Zé da esquina ou a Maria qualquer-coisa. E tão cheio de defeitos quanto. E estes defeitos começam a nos incomodar terrivelmente. E não vemos outra saída senão tentar adequá-lo aos nossos sonhos. Porque perder os sonhos é algo inteiramente impensável.
Começamos então um novo processo: a moldagem do outro. Tentamos mudar a gargalhada escandalosa, a mania de deixar a toalha molhada sobre a cama, exigimos uma imediata dieta (usando, claro, o infalível argumento da saúde em primeiro lugar), fazemos de tudo para acabar com o futebol com os amigos, as mil horas de salão de beleza, o chope de fim de tarde, a irritante mania de discutir a relação, o boteco com a turma, aquele jeito provocante de deslizar pelas ruas e uma infinidade de outras atitudes que incomodam até o âmago de nós.
E ficamos chatos. Implicantes. Destoantes. Até que o outro se cansa de não ser ele mesmo e vira a mesa. Com sinais ou com palavras, sai da nossa vida. Aí, nos perdemos. Porque perder o outro é perder todos os sonhos que tão laboriosamente tecemos. E um grande vazio começa a nos corroer. Insistimos. Corremos atrás. Perdemos o respeito por nós mesmos ao forçar uma situação que deixou de interessar ao parceiro. Perdemos a noção do tempo, do espaço, de nós mesmos. Culpamos terceiras, quartas, quintas pessoas pelo nosso fracasso. E levamos um tempo enorme para perceber que estamos nadando contra a maré.
Ainda assim, não entregamos os pontos. Eles, os pontos, simplesmente se perdem de nós. Então nos descobrimos destroçados, com a auto-estima no pé e, se temos um mínimo de capacidade de reflexão, com vergonha de nós mesmos. Temos que assumir: perdemos a hora de dizer adeus. O adeus ficou lá atrás e não percebemos.
Não há nada mais doloroso e mais oneroso do que ter que reconhecer que fomos nossos próprios algozes. Será que é mesmo preciso chegar a este ponto?