Luiz Moura
(lmoura.pe@uol.com.br)
O conhecimento e o saber produzidos na comunidade do Caldeirão não eram apenas um conhecimento e um saber genéricos. Havia ali um conhecimento especializado, como bem observa outra pesquisadora, Luitgard Cavalcanti Barros:
As crianças e os velhos com saúde cuidavam das ovelhas, galinhas, bichos de toda qualidade, havendo encarregado até para a troca de óleo da lamparina da Igreja(...), havia até especialistas na criação de pavões e vários outros pássaros que povoavam a fazenda. Ninguém ficava ocioso, como ninguém ficava à míngua, ou faminto. (BARROS, 1988:158).
Esse estilo diferente de educar não era feito de qualquer forma, mas debaixo da mais absoluta ordem e controle assim como sob a orientação das lideranças comunitárias.
Boa parte da população era trabalhadora e obediente ao beato – chefe da comunidade – que a orientava para o bem, dentro da mais rigorosa ordem, subdividindo-se em diversos grupos orientados por chefes.
Toda comunidade está ciente de que os ensinamentos do beato, no Caldeirão, orientavam o povo no sentido de abandonar a ideologia do enriquecimento pessoal em troca do enriquecimento coletivo. As pessoas entrevistadas sobre o Caldeirão, homens e mulheres, referiam-se à obediência que todo povo tinha aos ensinamentos do beato. Freqüentemente, costumamos rotular a educação de teórica e prática. Enquanto uma está baseada na vivência concreta do dia-a-dia, a outra, ao contrário, limita-se ao campo das idéias, mesmo quando essas são formuladas a partir da realidade. A educação teórica é, em geral, formulada por pensadores da educação, em vista de uma prática determinada, enquanto a educação prática é vivenciada pelos educadores que carregam em suas costas o agir pedagógico diário. Distante dessa discussão, no Caldeirão, homens, mulheres e crianças educavam e se educavam mutuamente; mais que uma educação prática, existia ali uma prática educativa. Essa prática se traduzia na capacidade de organização do povo, no trabalho artístico do ferreiro que tudo modelava, nas orientações dos conselheiros, nas cantigas das catarinas, rendeiras de mãos ligeiras que fiavam o que mais precisava. A prática educativa se traduzia também na experiência solidária com base na cultura do povo e na fé cristã (Severino Vicente, Natal de 1991). Esse tipo de educação de experiência solidária é testemunhada por pessoas muito ligadas aos sobreviventes do Caldeirão.
“Ali ninguém passava fome; era tudo irmão (...), ali era uma beleza. Ali as mule ou na roça ou fazendo pano ou costurando ou cuidando da casa(...) Qualquer coisa que acontecia corria aonde tava o beato e ele resolvia. Era o céu (...) Era tudo home na roça, os paio tudo cheio. Uma fartura que fazia gosto. Aquilo tudo que colhia era guardado junto. Depois de (o beato) dividia: tirava o que dar de comer aquele povão todo, separa pras obras de caridade e aí mandava o resto pra feira. Ele era muito bom(...) Ele amparava muita gente: viúva, menino, órfão, velho e doente.”