domingo, 14 de novembro de 2010

ALVOROÇO


Djanira Silva
djaniras@globo.com
http://blogdjanirasilva.blogspot.com/


          Há uma parte de mim no meio destas flores. Algumas lágrimas nas águas deste rio. Gotas de sangue no vinho desta taça. Há uma parte de mim nas réstias deste sol, na brancura da lua, na frieza das madrugadas. O que ficou comigo aos poucos se dilui nos passos de um tempo desesperado que corre à minha frente anunciando minha passagem efêmera.
          Caminho assim como quem perdeu o rumo, esqueceu as estradas, não sabe onde começa nem onde terminam as estações: das flores, das chuvas, dos ventos, do trem. Nada consigo lembrar além dos meus sonhos cozidos com linhas de vento nas pálpebras caídas sobre lágrimas mortas. De nada sei . Há muito esqueci. O quê? Nem sei.


           Escondo-me nas sombras que inventei para fingir uma felicidade que me inspira desconfiança. Caminho pela vida como um autômato. Abro portas, passo para o outro lado sem me aperceber do que vou deixando para trás. Sem passado. Sem futuro.
          Sempre me disseram para esperar. Aliás, antes de ouvir outras coisas ouvi a espera. Ela estava no tempo, no ar, nas paredes, dentro de mim. Ouvi histórias e coisas longas sobre momentos que demoram a passar, horas que se arrastam, monotonia, cansaço de não fazer nada, nada queixas do esperançoso.
          A espera é um contrato bilateral com o tempo, com o que está para ser. Horas dormentes esquecidas de passar, horas terminais que escorregam no trampolim da espera, da melancolia que persegue aquele que anda na frente. Antes do fim, a angústia de saber que a espera se confunde com a chegada. Caminhos se encontram na mesma encruzilhada onde o chão se guarda entre lírios e hortênsias, cravos e verbenas, cruzes plantadas na beira da estrada.
          Acontecem todos os dias, hora após, transformações que transcendem os começos e se encaminham para os abismos. Fechos, desfechos, recomeços.
          Acordo como acordam as flores e as auroras a cada manhã. Quando a noite adormece nas almas despetaladas, a dor arruma sua bagagem para a ronda de todos os dias.
          Alvoroço de perfumes e sons por entre imagens que se esfumaçam fazendo ressurgir com a morte uma vida enterrada para nascer. Para sempre? Nunca!